A certa altura e num mundo onde a concorrência era tão aguerrida quanto a disputa pela maior porção de terreno em Westeros, Jo Nesbo reclamou para si o trono de mais entusiasmante escritor policial, sobretudo aquando do lançamento dos primeiros cinco volumes da série dedicada a Harry Hole – sem contar com a fase australiana, que só começou a ser publicada em versão inglesa e portuguesa anos mais tarde.
Claramente com uma costela arrancada a Philip Marlowe, o detective saído da imaginação de Raymond Chandler, Harry Hole é um inspector com quem é difícil de lidar, avesso às dinâmicas sociais, bom e regular sorvedor de álcool, que acredita que as regras profissionais e de etiqueta podem e devem ser contornadas quando a ocasião – e o instinto – assim o dite. Nos últimos volumes a imaginação de Nesbo deu um pouco de si, mas nem assim nos livrou de finais vertiginosos onde parecemos estar de cabeça para baixo a ser sovados pelo fantasma da montanha russa.
Fora do universo Harry Hole, Nesbo tem-se aventurado noutras narrativas, como aquela apontada aos mais novos com o delicioso título de “O Pó de Puns do Doutor Proctor” – série com dois títulos publicados em Portugal -, onde se viaja ao som e à potência dos gases interiores. Dentro do universo policial, muitos são os desvios de Nesbo à narrativa Holiana, seja na recriação do Shakespeariano McBeth ou em histórias policiais sem (grande) continuação como este “O Sol da Meia-Noite” (D. Quixote, 2019), que acaba por ser uma falsa sequela de “Sangue na Neve” – apenas por manter, como pano de fundo, a imagem e a presença do Pescador, basicamente o rei do fabrico de anfetaminas e heroína.
Estamos no ano de 1978, seguindo os passos de Jon, um tipo que procura o esconderijo perfeito numa “paisagem plana, monótona e sombria” – e numa terra de renas. Para trás já ficaram setenta horas em fuga e mil e oitocentos quilómetros de estrada, mas Jon sabe que mais tarde ou mais cedo os perseguidores irão chegar em força, e que a coisa se acabará por resolver à moda de um bom western. Afinal, “o Pescador encontra sempre o que procura“. Decidido a remeter-se ao silêncio, acaba por travar amizade com Lea e o filho, Knut, que servirão de rastilho ao desejo de sobrevivência.
Jo Nesbo acaba por montar, num lugar tão a norte que o sol nunca se põe, um cenário no espírito dos grandes duelos e batalhas dos westerns de Hollywood, onde a aridez do espaço e o peso do silêncio têm um peso considerável – bem como o confronto de um homem com o amor, a religião e a sua consciência. O livro tem um lado romântico algo exagerado, sobretudo neste cenário tão despido e pronto a entrar em ebulição sanguinária, acabando por fazer de “O Sol da Meia-Noite” o policial mais light da bibliografia de Jo Nesbo.
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