“A vida é complexa e incognoscível.“
Em “O Sentido da Vida” (Saída de Emergência, 2022) – Histórias de Psicoterapia no sub-título -, Irvin Yalom escreve na primeira pessoa, conseguindo ser um exímio contador de histórias e professor de psiquiatria existencial. Para além do tom fluido e descomplicado da narrativa, ao melhor estilo romancesco, fica a certeza de estarmos perante case stories, relatos de mudança em psicoterapia ao estilo de um estudo de casos de sucesso. Ainda que todos os processos relatados tenham um desfecho favorável, não escondem as vicissitudes do processo, os avanços e retocessos e os dilemas de quem os orienta. Em vários momentos, chega a ser possível sentir a angústia do terapeuta face às inimagináveis barreiras e artimanhas da mente e das emoções dos pacientes. Em psicoterapia, o comportamento acaba por ser o maior aliado, aquele que se revela e permite a entrada em recônditos recantos da existência.
A partir de eventos da sua vida profissional, Irvin Yalom recorda histórias que podem ser classificadas como fantasia autobiográfica real, assentes em acontecimentos efetivos – ainda que, nos detalhes, pincelados com alguma fantasia. Outras são completamente verdadeiras, apenas cuidadas pela necessária ocultação da identidade dos intervenienetes, quase todos pacientes sob intervenção. Em todas as histórias há o relato de situações limite, de profundo questionamento sobre o sentido da existência quando parte substancial da funcionalidade quotidiana parece estar comprometida: o trabalho com pessoas que estão a morrer porque têm diagnósticos irreversiveis, a gestão de grupos de psicoteapia num hospital psiquiátrico e a tristeza presente no acompanhamento individual e prolongado de quem se encontra num extenso e complexo luto.
Em “O Sentido da Vida”, como aliás em outros livros do género já produzidos por Yalom, são deixadas pistas e referências explicitas para quem estiver interessado em prosseguir com uma literatura mais profissional, explorando os aspectos técnicos relacionados com as seis histórias que o compõem: a confidencialidade dos doentes, a fronteira entre a ficção e a não-ficção, a relação terapêutica, a abordagem acronológica “aqui e agora”, a transferência do terapeuta, abordagens terapêuticas existenciais e dinâmica do luto.
Irvin Yalom é um escritor americano, filho de emigrantes russos. Formado em psiquiatria na Universidade de Stanford, onde ainda hoje se mantém, tornou-se conhecido quando sua obra Love’s Executioner and Others Tales of Psychotherapy, publicada em 1989, alcançou a lista de livros mais vendidos nos Estados Unidos. Na mesma linha, seguiu-se Momma and the Meaning of Life (1999). Em Portugal, entre os muitos livros publicados, romances como Quando Nietzsche Chorou (1992), A Cura de Schopenhauer (2005), O Poblema Espinosa (2012) e Mentiras no divã (1996), para além de outros textos e ensaios inspirados em casos reais de psicoterapia, compõem uma vasta e reconhecida obra, reveladora de uma habilidade extraordinária na arte de envolver profissionais e todos os interessados – aqueles que fazem ou pretendem fazer psicoterapia ou tão só cépticos e curiosos.
Quase sempre baseada nos mais de trinta anos em que o autor trabalha como terapeuta e professor na área da psicanálise, os seus livros possuem textos que revelam processos onde terapeuta e paciente surgem como parceiros e co-responáveis no processo de mudança. A transformação das histórias que os clientes narram acerca das suas vida, ocorre a partir da reconstrução de significados e da atribuição de sentido às vivências. Esta atribuição de significado não desresponsabiliza as pessoas, não as resigna ou torna passivas perante as circunstâncias; pelo contrário, a partir do momento em que a pessoa assume um significado, parece tornar-se menos paralisada e assustada, menos vulnerável às pequenas e grandes angústias da vida.
“O Sentido da Vida” é um livro de uma honestidade desarmante, que permite ir pare além da camada superficial de um autor profundamente honesto consigo próprio e com o público. Um livro que só se adivinha possível em alguém de grande maturidade, sem esconder que os terapeutas também se sentem aturdidos pelos pacientes, por vezes menosprezados, mas sempre instigados para se reinventarem. Processos em que o teapeuta estabelece relação com a pessoa e não com a sua patologia.
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