“O Segundo Coração” (Quetzal, 2022) serve-se da linha temporal de uma vida, a do autor, para pontuar descobertas, confirmações e ruminações em torno de temas diversos. O bairro em que cresceu, os amigos que teve, as relações em que investiu, a família que não escolheu e à qual manteve-se ligado, a outra de que se afastou quando o sonho terminou, a vida que idealizou, a existência que nem sempre pôde escolher e que, ainda assim, prosseguiu.
Bruno Vieira Amaral pode ser qualquer um de nós, na forma como se (auto)retrata, complacente com um passado do qual parece ter extraído o melhor, nas omissões, ausências e carências de tantas coisas que, para outros, seriam tanto, e que para ele parecem ter sido tudo o que precisava para se definir como ser humano.
Arriscando a discórdia, entre cem crónicas elege-se “Sorriso de quarenta anos” como um texto de uma beleza extrema, invocativo de cumplicidades genuínas, de caminhos díspares e, ainda assim, de uma integridade inabalável de afectos, imunes à diferença ditada pela carga genética de dois jovens amigos. Prejudicados com esta eleição ficam outros tantos textos dedicados ao elogio da memória, ao valor da pertença familiar, à construção da autonomia e ao sonho presente em qualquer uma das fases da vida. A generalidade destas crónicas foi publicada na edição online do semanário Expresso e na revista GQ. Ainda que os relatos tenham um grande cunho pessoal e autobiográfico, comportam elementos com valor historiográficos, capazes de suscitar a reflexão em torno da sociedade portuguesa na viragem do século, quando o autor absorvia e integrava o contexto social e cultural em que vivia.
“O Segundo Coração” é um convite à vida, em todas as suas dimensões. Um livro que se presta à partilha, que sugere a leitura conjunta de alguns textos, lembrando idos tempos de convívio em torno de uma mesa, de um jogo, de um programa televisivo ou de uma conversa. Tempos em que a memória colectiva apaziguava a solidão e a dificuldade.
Bruno Vieira Amaral nasceu no Barreiro a 23 de Fevereiro de 1978, zona à qual se mantém ligado. É licenciado em História Moderna e Contemporânea, escritor, crítico literário e tradutor. O seu primeiro romance, “As Primeiras Coisas”, valeu-lhe o Prémio de Livro do Ano da revista TimeOut (2013), o Prémio Fernando Namora 2013, o Prémio PEN Narrativa 2013 e o Prémio Literário José Saramago 2015.
A compreensão da lógica e do enquadramento de “O Segundo Coração” fica especialmente completa com o retrato íntimo e afectivo do autor na série documental “Herdeiros de Saramago”, da autoria de Carlos Vaz Marques e realização de Graça Castanheira (RTP, 2020).
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