“Comecei a investigar a vida de Robert Coombes no verão de 2012, depois de me ter cruzado com um relato da detenção dele num jornal antigo. Fiquei intrigada com a história e fui consultar a transcrição do julgamento no Old Bailey e depois mais artigos acerca do caso. Algumas notícias chamavam ao matricídio «O Horror de Plaistow»; outras chamavam-lhe «A Tragédia de Plaistow». A história do assassínio de Emily Coombes e do que se lhe seguiu parecia de facto ser, em simultâneo, uma tragédia e um autêntico horror, uma narrativa capaz de nos fazer encolher de repugnância e de nos provocar uma empatia condoída. Robert fascinou-me: sempre que compareceu em tribunal, parecia vazio, frívolo e totalmente desprovido de sentimentos; e, contudo, o homicídio indiciava uma perturbação catastrófica, uma intensidade de emoções insuportável. (…) Quis saber se a sua história teve algum peso no crime e resolvi descobrir o que pudesse sobre a infância de Robert.”
As palavras pertencem a Kate Summerscale e são retiradas do epílogo de “O Rapaz Perverso” (Bertrand, 2017), uma estranha mistura de romance, biografia e investigação jornalística, num livro que faz o leitor viajar até 8 de Julho de 1895, dia em que Robert Coombes, de 13 anos, e o seu irmão Nattie, de 12, saíram de casa para ver um jogo de cricket, dizendo aos vizinhos que se lembraram de perguntar que a mãe tinha ido visitar familiares a Liverpool. Quanto ao pai, esse, estava em trabalho no mar alto.
Durante dez dias os irmãos andaram numa vida louca, gastando todos os trocos que tinham – ou que iam descobrindo na casa – e, quando a isso foram obrigados, empenhando os objectos a que atribuíam mais valor. Dez dias depois, porém, a vida de pequenos lordes chegava ao fim, precisamente quando um estranho cheiro começou a emanar da casa dos Coombes.
Quando a polícia entrou na residência, descobre a mãe dos rapazes morta, lançando os dois pequenos num julgamento que será um gáudio para a imprensa e um festim para a opinião pública que, entre outras coisas, irá culpar os penny dreadfuls – que poderemos traduzir por histórias de faca e alguidar – por tão hediondo crime.
O trabalho de reconstituição de Kate Summerscale é fenomenal, pela forma como analisa a sociedade da época, mergulhando na estrutura económica, analisando o sistema educacional, trazendo à tona os valores em voga ou mostrando a forma desconexa como a justiça encarava os pais como donos e senhores dos destinos dos filhos.
A autora não se fica, porém, pela análise histórica e a reconstituição de um crime. Percorrendo a linha temporal até aos dias de hoje, conta-nos uma história de redenção e heroísmo, mostrando que as segundas oportunidades podem levar a finais felizes. Um fabuloso trabalho de investigação que resultou num livro feito de cruzamentos literários, algures entre Svetlana Alexievich e Truman Capote.
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