Com menos de 2000 caracteres, Valter Hugo Mãe escreveu um livro sobre o amor, as relações e o sentido da vida. “O paraíso são os outros” (Porto Editora, 2018 – nova edição), sendo pensado pelo autor como uma história para explicar a importância da afectividade aos mais novos, é ainda assim um livro que apela à maturidade dos adultos e à reflexão, onde se aprende muito pela clarividência e profundidade da mensagem.
Sem muitas palavras, Valter Hugo consegue levar crianças e adultos a conviverem com a ética nas relações. E fá-lo através da voz de uma menina, da forma como ela capta, processa e transmite o que observa nas pessoas, mas entre os animais, completado com aquilo que a mãe lhe diz sobre o que é amar. A constatação de que os adultos vivem muito em casais. Que o fazem habitando corpos. Que constroem relações com base em valores e padrões. Que estão sempre ligados, mesmo quando separados. Acreditam. Crescem juntos. Desassossegam (-se). Descobrem (-se). Por vezes entristecem (-se). Recomeçam. Encontram no outro a solução. Têm urgências. Amam.
“Os adultos apaixonam-se ao acaso, ainda que façam um esforço para escolher muito ou com muita inteligência. Já aprendi. O amor é um sentimento que não obedece nem garante. Precisa de sorte e, depois de empenho. Precisa de respeito. Respeito é saber deixar que todos tenham vez. Ninguém pode ser esquecido.”
Uma mensagem que vinca o amar como uma construção, um “trabalho bom” que requer cuidado e respeito, (in)dependente de padrões de beleza, e que atribui valor ao outro e ao que este gosta, muito para além do material e físico, subtil ou explosivo, urgente e paciente, por vezes um problema.
“Posso dizer de outro modo: o amor é um problema mas a pessoa amada precisa de ser uma solução.”
Para Valter Hugo Mãe, autor que se reconhece como tendencialmente lunar e de pendor mais melancólico, escrever um livro tão cristalino e elucidativo – e ainda assim tão denso e profundo – só terá sido possível mediante um processo de algum policiamento, conseguindo levar a profundidade do tema aos mais novos sem os aterrorizar, ao mesmo tempo que torna refém os adultos que se deliciam pela beleza da mensagem e da sua forma.
Depois de uma 1ª edição de 2014, esta nova edição contempla ilustrações do próprio autor, com imagens que balanceiam entre o abstracto e o concreto, ao género de rabiscos. O resultado potencia a carga simbólica da mensagem.
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