“Ai, ai, se o olharapo vem
E estás em casa sem ninguém…
Aquilo que se foi esconder
Não é o que aparenta ser.”
Era esta a ladainha, retirada de uma cantiga ruim que se ouvia nas ruas, que ecoava na cabeça da Zé antes de se ir deitar, interrogando-se sobre se as sombras que aguardavam no chão poderiam pertencer ao capeta ou ao papão.
Depois de nos ter servido os luminosos “A Baleia”, “O Regresso da Baleia” e “A Ilha do Avô”, Benji Davies regressa às livrarias nacionais com “O Olharapo” (Orfeu Negro, 2018), um mergulho no território nocturno das sombras onde tudo parece diferente: “À noite, é ruim o que é risonho”.
Nesta noite escura, não é apenas a Zé que se deixa cercar pelo medo. Uns sentem calafrios, um outro que lhe morderam o pijama, outro ainda que lhe fanaram o queijo. Até mesmo o Agente Capoulas, no seu habitual conjunto de uniforme e ceroulas, sente passar por si uma ligeira impressão a que responde com um grito: “É ele! Agarra, que é ladrão!”.
Numa história que parece habitada por um rato trocador que só recebe mas nada dá, não há qualquer moral clássica, a não ser, talvez, a de que os sonhos devem ser seguidos quase à risca, mesmo que isso possa implicar levar algo de emprestado e pela calada.
Benji Davies tem aqui mais uma exibição de gala, com ilustrações inspiradas na veia lúgubre de Dickens, onde se descobrem diferentes e deliciosos pormenores a cada leitura – seja nas casas entaipadas, nas chaminés a fumegar ou nos pombos e gatos pretos que aguardam nas sombras. Puro deleite.
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