Publicado em 1935, “O Milagre de São Francisco” (Livros do Brasil, 2021) foi o primeiro grande êxito de John Steinbeck, trilhando um caminho literário que, em 1962, seria premiado com o Nobel. Com o título original de “Tortilla Flat”, esta história de Steinbeck foi adaptada ao grande ecrã em 1942, com Spencer Tracy e Hedy Lamarr nos principais papéis.
O protagonista maior dá pelo nome de Danny que, depois de regressar da tropa, se vê prendado com uma herança do seu viejo – avô -, que lhe deixou duas pequenas casas em Tortilla Flat. Logo aí, percebemos que a propriedade é algo que não assiste verdadeiramente a Danny, para quem ter dinheiro nas mãos é assim como segurar num incêndio. Mais vale, no seu lugar, ter uns garrafões de tinto: “Ao ter conhecimento do caso, Danny sentiu-se um tanto vergado sob o peso da sua responsabilidade de proprietário. Antes mesmo de ir ver a propriedade, comprou um garrafão de vinho tinto e bebeu-o quase todo. O peso da responsabilidade deixou-o e o pior de si próprio veio à superfície. Berrou, partiu algumas cadeiras num salão de jogos da Alvarado Street e teve duas, mas gloriosas zaragatas”.
John Steinbeck juntou aqui um grupo de pobres malandros, com um pouco de encanto, mas muita mandranice, que acabam por compensar os roubos e as zaragatas com uma por vezes comovente dedicação ao outro. O malandro mais próximo é Pilon, “uma manhosa mistura de bem e de mal”, que Danny irá instalar numa das duas casas, decidido a proteger os desamparados desta vida. Uma ascensão “social” para ambos, ainda que nunca estabelecida de forma verbal ou intencional: “Danny tornou-se um homem importante devido a ter uma casa para alugar e Pilon subiu na escala social por alugar uma casa. É impossível dizer se Danny esperava receber qualquer renda ou se Pilon esperava pagar alguma. Se esperavam, ambos ficaram desapontados. Danny nunca a pediu e Pilon jamais a ofereceu”. A Danny e Pilon juntam-se outras estranhas figuras, dedicadas a construir uma república condenada a ruir com um golpe auto-infligido.
Um romance sobre “o veneno da posse”, que conta com a bênção de São Francisco e no qual as amizades se vão rompendo e reatando, sempre com muitos brindes e vinho de pouca qualidade pelo meio, que culminará entre a morte e a festa, numa despedida que recorda, como que num tristonho negativo, o final de Ocean`s Eleven.
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