“Mais do que romper cus, o Pipi gosta de romper estigmas sociais, preconceitos de classe. A foda que quero relatar foi dada numa menina que conheci por intermédio de uma colega de turma que andei a comer e que era filha da empregada da dita betinha. Empregada essa que, como é óbvio, também fiz.”
O leitor sabe que, a partir do momento em que abre um diário alheio, fica por sua conta e risco. Todo o tipo de linguagem, de descrição de acontecimentos e de nomes referidos pode aparecer ao folhear os pensamentos de alguém. Um diário é, à partida, um lugar seguro para quem escreve. Os blogues são os lugares “seguros” na Internet, que pode passar despercebido no meio de milhões, mas há alguns como “O Meu Pipi – Diário” (Tinta da China, 2017) que mexeram com milhões de leitores. Em Portugal, no início dos anos 2000, O Meu Pipi não ficou indiferente a quase nenhum utilizador da blogosfera pela honestidade e franqueza em relação a um tema que continua a mexer e a fazer vender livros e filmes: sexo. Mais elaborado, elegante ou tremendamente safado, mas sempre a ser usado para descrever os acontecimentos mais hilariantes.
O Pipi, nome utilizado por um/a blogueiro/a em 2003, descreveu todo o tipo de cenas sexuais para os seus leitores, em que a moderação da linguagem nunca foi algo utilizado – às tantas, pode ler-se frases como “a leitaça é usada apenas para fins recreativos”, descrevendo o momento em que um homem se levanta, “coça os colhões e arregaça a pichota”. Não há lápis azul ou qualquer tipo de sem censura: há pensamentos e descrições para todos os tipos e gostos neste livro, tornando o Pipi numa das melhores personagens – provavelmente das mais hilariantes – que surgiu no mundo dos blogues. O leitor mais sensível logo irá reparar que, nas primeiras páginas com entrevistas publicadas em meios de comunicação social portugueses, a inteligência é um ingrediente fundamental para os seus textos: sexo casual, ao acaso, nunca interessou a quase ninguém.
Os episódios de Pipi têm, quase sempre, por base um acontecimento no seu dia-a-dia – que pode ser inspirado por um episódio insólito de um canal como a SIC Radical ou num autor como António Lobo Antunes ou Shakespeare (“Aquilo a que chamam ordinarice é literatura da boa, meus amigos. Aliás, sou capaz de imitar alguns grandes escritores (e também o Paulo Coelho), introduzindo fortes caralhadas no discurso, assim vocês já engolem isto como literatura”) – em que cada palavra é escolhida, a dedo. Não há qualquer tipo de inocência nos textos do Pipi, cada “palavrão” é escolhido para atingir todos os tipos de leitores: os mais aptos a lerem todos os tipos de textos aos mais sensíveis. Há as chamadas “críticas de fodas”, estudos comparativos de mulheres ou mesmo questões do dia-a-dia que podem ser bastante pertinentes.
Passaram-se catorze anos desde a edição original d’O Meu Pipi, mas será que o sexo é cada vez mais liberal mesmo com a quantidade de filmes, websites ou mesmo livros que circulam? Para uns é, para outros não. Mais do que a liberdade nos textos sobre sexo, o humor de Pipi ainda é necessário para mudar, em especial, novas gerações que agarram esta edição numa livraria e, na sua maioria, desconhecem o legado deste/a autor/a.
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