Desde há muito empenhada na divulgação de literatura universal através da colecção Dois Mundos, a editora Livros do Brasil, parte integrante do grupo editorial Porto Editora, apresenta um catálogo vasto e diversificado, composto por diversos estilos e géneros literários, permitindo ao leitor fácil acesso a obras escolhidas ou completas de autores universalmente reconhecidos. Yukio Mishima insere-se neste grupo. Sobre o mesmo apura-se tratar-se de um novelista e dramaturgo, pseudónimo de Kimitake Hiraoka, que nasceu em Tóquio em 1925 e suicidou-se de forma mediática, praticando o ritual japonês seppuku, a 25 de novembro de 1970, manifestando assim a sua discordância perante o abandono das tradições japonesas e a aceitação acrítica de modelos consumistas ocidentais. O idealismo que enforma a sua obra e conduzirá a sua vida está enraizado no tradicionalismo militar e espiritual dos samurais, e a sua concepção da arte liga-se a um elevado culto da alma e do corpo. Mishima é um dos mais conhecidos escritores japoneses, várias vezes apontado como candidato ao Prémio Nobel da Literatura, e autor de obras inesquecíveis como “Confissões de Uma Máscara” (1948) ou “O Templo Dourado” (1956).
“O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar” (Livros do Brasil, 2020), escrito em 1963, é das suas produções mais belas. Compacta e intensa, apresenta-se ao leitor como um romance e um ensaio autobiográfico. Noboru, um rapaz de 13 anos, vive o dilema de fidelidade aos ideais que um grupo de jovens da sua idade desenvolveu, ao género de identidade marginal e camuflada numa sociedade fortemente estratificada e exigente, e o desconforto dos afectos expressos por quem, na sua óptica, só devia deixar transparecer firmeza. Ryuji é um marinheiro que descobre o valor do amor e de permanecer em terra, ao lado de Fusako, a viúva mãe do jovem Noboru, uma mulher independente e ocidentalizada. Com 33 anos de idade, abandona o sonho de prosseguir uma grande causa e alcançar glória no mar. Ao contrário do que sempre temera, sente-se comodo e seguro em terra, tornando-se um homem ancorado e amável.
Depois de ter idealizado e propagandeado junto do grupo a imagem e o poder do marinheiro, Noburo teve dificuldade em aceitar que o mesmo não correspondesse a uma reprodução fiel do seu arquétipo. A cada manifestação de afecto e de cedência por parte de Ryuji, Noburo intensificava a sua frustração, que processou de forma perversa junto do grupo – onde existia um líder, uma hierarquia e rituais de iniciação e de superação, tudo aquilo que sentia falta num mundo que parecia desprovido de sentido e de causas para prosseguir. O desenlace é intenso e, provavelmente, inesperado ao nosso olhar ocidentalizado.
“O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar” é uma narrativa digna de um mestre, rica em detalhes e pungente no argumento: a vida nipónica na segunda metade do século passado, a força e a resiliência de um povo, a dureza das tradições e as dificuldades das novas gerações em definirem e pacificarem a sua identidade.
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