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O Longo Vale, John Steinbeck, Deus Me Livro, Crítica, Livros do Brasil
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“O Longo Vale” | John Steinbeck

Por Julia Martins · Em 30/03/2022

Publicado originalmente em 1938, “O Longo Vale” (Livros do Brasil, 2020) reúne uma dúzia de contos de John Steinbeck, inspirados pelas paisagens áridas e as existências agrestes do vale de Salinas, na Costa Central da Califórnia, a sua terra natal. Doze contos sobre pessoas simples, comuns, (aparentemente) sem história.

Prémio Nobel em 1962, Steinbeck oferece aos leitores um conjunto de obras que ajudam a compreender a complexidade da alma humana, a crueldade e a dureza da vida, os ambientes hostis e severos em que vivem muitos dos seus personagens, dando voz aos desfavorecidos, exibindo o valor da resiliência, do amor e da fé no colectivo, acreditando que a bondade e a solidariedade dos homens é maior do que as suas próprias limitações e mesquinhez.

O Assassínio e A Promessa, contos incluídos no livro, foram distinguidos com o Prémio O. Henry, concedido a contos de mérito excecional. Dos doze magníficos contos incluídos em “O Longo Vale”, destaque, pela singularidade das suas personagens, a critica social e a reflexão que proporcionam ao leitor, para este trio: Crisântemos, O Vigilante e A Cobra.

Crisântemos é o primeiro conto do livro. Abre, através de uma escrita delicada e subtil, simples e intensa, as portas do rancho de Elisa e Henry ao leitor, que fica a conhecer a rotina deste casal. Henry cuida das tarefas cansativas e dos negócios do gado, enquanto Elisa, para além das tarefas domésticas, cuida com o maior afecto e carinho do jardim, especialmente dos seus crisântemos “gigantes, brancos e amarelos”, uma flor com “um caule comprido, que faz lembrar um sopro de breve fumo colorido”. Elisa, mulher forte e sensível, é a personagem que permite reflectir sobre o papel da mulher na sociedade da época.

“A grande vaga de emoção, o vaivém e os brados da diluíram-se gradualmente no silêncio, no parque da cidade. Mas havia ainda muita gente sob os olmeiros, vagamente iluminados pela luz de um candeeiro de iluminação publica a dois quarteirões de distância. Abateu-se sobre o povo uma quietude fatigada, e alguns dos componentes daquela massa agitada começaram a desaparecer furtivamente nas trevas. O relvado do parque ficou trucidado pelos pés da multidão. (…) Mike via a chama enrolar-se em torno dos pés daquele corpo cinzento e nu pendente do olmeiro”. É este o início do conto O Vigilante, que nos fala de uma morte horrível. O leitor acompanha os pensamentos de Mike, personagem principal da narrativa, sobre o homem linchado.

O Longo Vale, John Steinbeck, Deus Me Livro, Crítica, Livros do BrasilNo laboratório pode observar-se “gaiolas, os ratos brancos trepavam e baixava, pela rede, enquanto os gatos cativos nas suas cercas miavam desejosos de leite (…) junto à janela, (…) as cobras cascavéis“. É aqui que o Dr. Phillips extrai “fluido de entre os braços da estrela-do-mar”, despejando-o “de esguicho para dentro da mesma tigela, agitando suavemente a água com o conta-gotas”, sendo interrompido por uma mulher que revela ter interesse pelas cobras-cascavéis macho. No conto A Cobra a observação é fulcral, quer das personagens que observam atentamente a cobra e o rato, quer dos leitores que observam as reacções e emoções do Dr. Phillips e da jovem mulher. Uma leitura que traz à memória algumas referências bíblicas, da mulher enquanto sedutora, assim como das teorias freudianas, induzindo-nos ao questionamento sobre os limites da fronteira entre o que é animal e humano. Um conto perturbador e que deixa muitas pistas para reflexão.

John Steinbeck nasceu em Salinas, na Califórnia, em 1902, numa família de parcos recursos. Frequentou a Universidade de Stanford, não tedo concluído os estudos. Em 1925 foi para Nova Iorque, onde tentou uma carreira de escritor, cedo regressando à Califórnia sem ter obtido qualquer sucesso. Alcançou o seu primeiro êxito em 1935 com “O Milagre de São Francisco”, confirmado mais tarde, em 1937, com a novela “Ratos e Homens”. A sua obra está marcada por uma imensa preocupação com os problemas dos trabalhadores rurais e, também, por um grande fascínio para com a terra. Em 1939 publicaria aquela que é por muito considerada a sua obra-prima: “As Vinhas da Ira”. Faleceu em Nova Iorque a 20 de Dezembro de 1968.

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Julia Martins

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