Se, para muito bom leitor, “A Rapariga do Comboio” foi descrito como um livro empolgante, já um outro livro passado sobre carris, de seu nome “O Leitor do Comboio” (Clube do Autor, 2017), teria certamente um outro adjectivo a servir de resumo: fofinho.
Escrito por Jean-Paul Didierlaurent, “O Leitor do Comboio” apresenta-nos a Guylain Vignoles, um tipo discreto e apagado que todos os dias manobra uma Zerstor 500 – a que chama de “A Coisa” -, uma ameaçadora máquina que transforma livros publicados em pasta de papel, num eterno reciclar da literatura. Uma espécie de variação moderna da imagem criada por Ray Bradbury no clássico “Fahrenheit 451”.
Todos os dias, ao limpar as entranhas da Coisa, Guylain aproveita o único momento em que o patrão não o consegue observar através das câmaras de vigilância para esconder um punhado de folhas, que lê diariamente nas suas viagens de comboio de casa para o trabalho. Mais do que o seu conteúdo, é ao acto de ler em voz alta que Guylain se liga, independentemente da atenção que consegue dos passageiros anónimos.
No dia em que ao desdobrar o banco que lhe serve de poiso literário diário descobre uma pendrive, contendo o diário de uma empregada de limpeza de um centro comercial, a sua vida muda por inteiro, tentando a partir daí encontrar aquela que se esconde por detrás daquelas páginas.
Há ainda personagens tão singulares como Brunner, um idiota chapado, racista e machista; Yvon Grimbert, um segurança que apenas sabe exprimir-se através de versos alexandrinos; ou Giuseppe, um velhote amputado que tem como demanda reunir todos os exemplares da primeira edição de “Jardins e Hortas de Outrora”.
Mesmo revelando uma boa dose de ingenuidade e espírito de fábula, “O Leitor do Comboio” move-se delicadamente pelo território da poesia, fazendo uma inventiva homenagem à Literatura e ao poder das palavras lidas em voz alta ou impressas em páginas, “peles vivas” capazes das maiores transformações.
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