Durante cerca de oito anos, o sótão de uma casa humilde, nos subúrbios de uma cidade industrial do leste de França, acumulou um imenso tesouro: objectos de ouro e prata, porcelanas, esculturas em marfim, pinturas, instrumentos musicais e armas antigas, tudo isso roubado em vários países europeus, em museus, leilões e feiras de arte. O seu valor total foi estimado em dois mil milhões de euros, mas o ladrão nunca teve em mente o ganho financeiro. Alegadamente, a sua única motivação era “cercar-se de beleza, para se deleitar com ela”, por isso “prefere ser visto como um coleccionador de arte com um estilo de aquisição pouco ortodoxo”.
“O Ladrão de Arte” (Porto Editora, 2024) é a história verídica deste excêntrico, Stéphane Breitwieser, que ainda vive, e que o Google – alheio às preferências do próprio – classifica impiedosamente como “ladrão francês” em resposta à pesquisa do nome. Porém, estamos perante um daqueles casos em que a realidade parece transcender a ficção, pois alguns furtos foram tão arriscados, exigindo tanto sangue frio e descaramento para enfrentar momentos de crise, que um romancista que produzisse uma narrativa assim seria provavelmente acusado de irrealismo.
A escrita directa e fluida do autor, Michael Finkel, permite-nos ler esta sua obra como um romance policial em que a identidade do criminoso é exposta desde o início, mas interessa-nos conhecer o seu passado, a sua mente e os meandros que conduzem à sua detenção. Todos esses interesses são satisfeitos, na medida do possível, com recurso aos dados disponíveis, aos pareceres de psicoterapeutas, a entrevistas com o próprio Breitwieser e a depoimentos de algumas das outras pessoas envolvidas na história. É assim que o texto, após começar com a descrição do roubo de uma escultura em marfim, não tarda a recuar no tempo para reconstituir o desenvolvimento de uma personalidade solitária, apaixonada por história e arte, mas com pouco gosto pela interacção humana. Uma excepção é a namorada, Anne-Catherine Kleinklaus, que se torna parceira no crime, acompanhando-o nos saques dos fins-de-semana e das férias, uma vez que ela tem emprego fixo – ao contrário dele, que se contenta com subsídios e remunerações de trabalhos pontuais, enquanto se deixa ficar no sótão da casa da mãe.
As estatísticas são impressionantes: mais de 200 furtos, alguns dos quais envolveram mais de uma peça, tendo um estratagema simples possibilitado o saque de onze peças do mesmo museu em menos de três semanas. Os pontos fracos ao nível da segurança impressionam, mas não tanto quanto as soluções improvisadas para lidar com as múltiplas variáveis que podiam ter corrido mal. Enquanto as forças policiais aguardam a detecção de transações que jamais se realizam, o fim da carreira criminosa de Breitwieser aproxima-se à medida que a motivação estética e emocional cede terreno à sede obsessiva de acumulação de peças. É óbvio que será identificado, mas as peripécias em que se envolve a seguir não deixam de surpreender e desafiar as expectativas mais realistas.
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