Quando a Academia Sueca atribuiu o Prémio Nobel da Literatura à francesa Annie Ernaux, em 2022, salientou a sua capacidade de análise das disparidades da sociedade em que tem vivido. “O Jovem” (Livros do Brasil, 2023), quinto título da autora na colecção Dois Mundos, é mais uma das suas obras que se destacam pela abordagem dessa temática, desta vez no contexto da relação entre uma quinquagenária e um homem cerca de trinta anos mais novo, na qual se entrelaçam o sexo, o tempo e a memória.
Tudo começa como uma aventura cuja motivação a narradora é incapaz de identificar com precisão – talvez o “desejo de desbloquear a escrita” de um livro –, mas que se transforma progressivamente em algo mais complexo. Numa linguagem tão simples e franca que chega a parecer despida de emoção, esta voz feminina afasta-se das mitologias do amor romântico para apontar – ainda que não negue o mútuo envolvimento afectivo – os interesses que cada elemento do par vê satisfeitos através do relacionamento: ela, encontra um ardor que “nunca sentira da parte de nenhum amante”, obtendo prazeres que julgava perdidos no passado; ele, acede a experiências que a pertença a uma classe socioeconómica mais desfavorecida lhe vedava.
Além da diferença etária, existe uma notória desigualdade social, cuja análise constitui a melhor parte do livro. Ela é uma mulher que se elevou acima da classe dos pais, através do estudo e de uma profissão que lhe proporcionou liberdade. Ele é um filho de pais endividados, habitantes de um subúrbio próximo de Paris, que vive “submetido à precariedade e à indigência dos estudantes pobres”, tendo desenvolvido “os gestos e reflexos ditados pela falta de dinheiro herdada e permanente”. Nunca votou nem tem interesse em fazê-lo, não acredita na mudança social e não possui planos profissionais dignos de nota. Apesar de representar uma geração estranha para a narradora, recorda-lhe as origens de que ela se afastou, ao mesmo tempo que evidencia a sua pertença actual a outro mundo: outrora, com o ex-marido, sentia-se uma campónia, enquanto agora é “uma tia burguesa”. Embora lhe agrade ver-se como aquela que pode mudar a vida do seu jovem amante, o facto de se encontrarem em fases distintas da vida, além de diferirem nas perspectivas quanto ao futuro, marca a relação ao ponto de determinar o seu desenlace.
Publicado em França meses antes da atribuição do Prémio Nobel, este livro possui uma forte componente autobiográfica, tal como a restante obra da autora, mas o resultado não desperta a mesma emoção que títulos como “O Acontecimento”. Aspectos cruciais, como as reacções sociais com que o par é confrontado devido à diferença etária, são descritos de uma forma fragmentada e generalista, que gera distanciamento em relação às personagens e não envolve o leitor no enredo, ao ponto de suscitar a impressão de que este breve texto poderia corresponder ao esboço de outro com maior profundidade. Todavia, a inclusão de fotografias do arquivo privado de Ernaux, a sua biobibliografia e a reprodução de uma página manuscrita dotam esta edição de uma originalidade inegável.
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