O terceiro romance de Maria João Lehning, autora-economista portuguesa residente em Paris, desenrola-se entre a capital francesa e Lisboa, narrando episódios da vida de dois primos oriundos de Cascais (Sãozinha e Emílio) que emigraram para Paris durante uma determinada época das suas vidas.
O estereótipo do emigrante português em França (remetido desde sempre para a condição de porteiro ou trabalhador da construção civil) é, desde logo, quebrado: Sãozinha é socióloga e Emílio médico, dois primos (ambos filhos únicos e por isso muito próximos) da Linha de Cascais pertencentes a uma família burguesa de apelido Vilarreal.
“O Ilustre Peito Lusitano” (Oficina do Livro, 2017) ancora-se na razão que leva meninos-de-família a emigrar: fazem-no não por razões económicas mas para se libertarem do jugo dos códigos de classe que obstaculizam a sua realização pessoal. No entanto, também se fala no livro – e de forma muito humorística – sobre a estereotipada comunidade portuguesa em França, caricaturada ao exagero na forma de falar, nas personagens de Aurora (porteira do prédio onde residem os primos) e Joaquim (o negociante de produtos gastronómicos portugueses). Estas duas personagens usam, por cada duas palavras em português, uma em francês – e a maior parte das vezes adulterada: manjar para comer, remplaçar para substituir, invitar para convidar ou trompar para enganar, entre muitas outras.
O livro faz também uma homenagem a todos os emigrantes estrangeiros, que a autora, com sentido de oportunidade, colocou a residir no mesmo prédio do número 7 da Rue Antoine Vollon, formando uma comunidade internacional de emigrantes (um russo, uma japonesa, um marroquino e três cabo- verdianos) que, juntamente com dois habitantes franceses, se apoiam e entreajudam de forma tocante.
Há uma história de amor, um Natal inesquecível com inflexão de rumos de vida, a bravura e o espírito lutador do português, episódios que compõem o enredo deste romance fácil de ler pelo estilo da autora que traz uma novidade refrescante: o antropomorfismo, ou seja, a atribuição a objectos inanimados (mala de viagem da Sãozinha, agasalhos e gabardinas, bigodes, etc.) de características e sentimentos humanos que tornam a leitura ainda mais divertida.
Um livro para uma leitura de férias muito descontraída que traz uma mensagem importante: Um emigrante vale muito mais pela sua personalidade do que pelos seus títulos académicos ou apelidos sonantes: “…reduzida a condição de emigrante, suspendiam-se os distintivos e nivelavam-se as classes sociais.”
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