“As manchetes deixaram-me gelada: um assassínio sem sentido, uma família assombrada pelos demónios de um dos membros. Uma lenda urbana que afundara as suas garras numa criança inocente e virara a sua vida do avesso. Soube de imediato que aquela era uma história que queria contar.”
A lenda urbana do Tall Man, também conhecido como o caso mediático de Slender Man, inspirou a escritora Nicci Cloke, que assina com o pseudónimo Phoebe Locke, a estrear-se no thriller com “O Homem nas Sombras” (Planeta, 2018).
O caso remonta a 2014, quando duas crianças de doze anos esfaquearam, por dezanove vezes, uma colega de escola da mesma idade, como ritual de sacrifício para impressionar o Slender Man, um personagem sobrenatural descrito como um homem magro, anormalmente alto, enigmático e perverso, perseguidor e raptor de crianças. No início deste ano, uma das agressoras foi condenada à pena máxima de quarenta anos de internamento num hospital psiquiátrico.
A partir desta realidade, a escritora criou o imaginário de “O Homem nas Sombras”, com foco na família Banner. A narrativa é apresentada em três eixos temporais, que levam o leitor a intrigar-se, ao longo de toda a leitura, quanto à relação entre si: em 1990, três raparigas consagram-se a uma figura sinistra, nas profundezas da floresta; em 2000, atormentada com a lenda do Tall Man, Sadie Banner abandona o marido Miles e a filha bebé Amber, que diz estar amaldiçoada; em 2018, a já adolescente Amber é acusada e julgada por assassínio. Agora, o seu dia-a-dia é acompanhado por câmaras para a realização de um documentário que contará a sua mediática história.
“Uma adolescente que não consegue lidar com a lenda terrível que a mãe lhe deixou, com a lenda negra e terrível que criou para si”. Apesar da curiosidade que a lenda desperta, os sucessivos avanços e recuos no tempo — a que se somam diferentes vozes — tornam a leitura confusa, sem que o leitor consiga deslindar, à partida, a intrincada narrativa. A alternância dá-se sobretudo entre 2016 e 2018, num antes e depois do assassínio que é peça central da história. A autora procura contar o presente regressando ao passado, mas isso retira fluidez à leitura, que acelera apenas para o final e acaba por ficar na sombra daquilo que seria um thriller arrebatador.
O suspense está lá, mas a tensão criada no leitor é pela confusão instalada, que o obriga a montar um autêntico puzzle temporal. Os segredos vão sendo revelados aos poucos, mas o mistério acaba por se perder no ritmo lento. Também não se espere um ambiente profundamente sombrio, tenebroso e aterrorizante, já que é mais explorado o lado familiar do que a assustadora figura do Tall Man. Um livro morno, que parte de uma premissa com potencial cativante: de como um mito urbano pode conduzir uma adolescente a um destino trágico.
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