É mais um daqueles livros que está a ser vendido com rótulos como “O livro de 2018” ou “O thriller de que todos falam”, tendo recebido palmadinhas nas costas de gente como Hayley Barker – autora de “Showstopper” – ou Fiona Barton – de quem se pode encontrar nas livrarias portuguesas “A Viúva” e “O Silêncio”.
Fala-se aqui de “O Homem de Giz” (Planeta, 2018), a obra de estreia de C. J. Tudor, um livro de leitura compulsiva que, ainda assim, perde algum fulgor à medida que se aproxima do seu final, percebendo-se que a história poderia ter sido melhor embrulhada, e isto apesar da boa vertigem provocada – um pouco como chegar ao destino e perceber que o melhor foi mesmo a viagem.
A história decorre em dois momentos temporais distintos, navegando nas águas do suspense psicológico. Em 1986, o corpo de uma rapariga é descoberto numa floresta, um corpo a que falta a cabeça. Trinta anos depois, o narrador volta a esse princípio sobre o qual nunca ninguém esteve de acordo, mas que todos reconhecem ter começado quando Gav Gordo recebeu um balde com paus de giz como presente. Um passado que regressa quando todos eles recebem, no tempo presente, uma carta onde, no lugar de palavras ou ameaças, existe “uma figura apenas esboçada, com um nó em volta do pescoço”. E, dentro do envelope, “um pedaço de giz branco”.
A história é-nos contada por Eddie Munster, um professor de 42 anos que partilha a casa com Chloe, uma miúda de vinte e poucos, que nos apresentará à quadrilha que, três décadas antes, era muito unida, a fazer lembrar o espírito Goodfellas: ele próprio, filho de uma mãe médica e de um pai que a espaços – e trinta anos antes – ia escrevendo para alguns jornais e revistas; Gav Gordo, que andava sempre com muito dinheiro nos bolsos – talvez pelo facto de o pai ser dono de um dos pubs locais de maior afluência e a mãe vendedora da Avon; Metal Mickey; Hoppo; e Nicky – cujo pai é o vigário da igreja local. Um bando que, segundo Eddie, se manteve unido apenas “por nenhuma das nossas famílias ser normal”.
Será o próprio Eddie que, a certa altura, resume num parágrafo esse momento que três décadas depois teima em ecoar, de maneiras distintas, dentro de cada um deles:
“…Os Factos foram copiosamente relatados pelos jornais ao longo dos anos. É um daqueles crimes que despertam sempre o interesse das pessoas. Com todos os ingredientes. O protagonista bizarro, os arrepiantes desenhos a giz, o horrível assassínio. Deixámos a nossa marca na história. Um pequeno homem desenhado a giz, penso com amargura. É claro que ao longo dos tempos os factos foram sendo embelezados e a verdade aos poucos limada nas suas arestas. A História não passa de uma história contada pelos sobreviventes.”
Neste acerto de contas com o passado e de um regresso forçado à infância, iremos conhecer também o Sr. Holloway, um professor albino com ar de David Bowie, um dos elos que desvendará esta história feita de remorso, inveja, bullying e violência. E de sonhos que teimam em regressar, até que o passado seja finalmente arrumado numa gaveta onde não haja espaço para traumas.
“Não me liberto deste sonho. À semelhança de algumas coisas na vida, há sonhos que têm de seguir o seu rumo. Mesmo que conseguisse acordar, o sonho havia de voltar. É o que estes sonhos sempre fazem, até que os sigamos até ao seu núcleo putrefacto e lhes cortemos as raízes em supuração.”
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