No prefácio a “O Elo Invisível” (Gato Bravo, 2019), Paulo Neto, director da revista literária “aquilino”, fala da escrita como “depurada. Despojada de adereços mas fulgente como a vida. A vida sem concessões“. De facto, se há algo que une esta série de contos assinada por Patrícia Maia Noronha, será talvez uma sensação de medo profundo, medo esse partilhado quase sempre em silêncio mas que é parte maior e comum da aventura humana.
A escrita de Patrícia Maia Noronha é concisa mas certeira, sem grandes artifícios mas, ainda assim, capaz de criar experiências sensoriais profundas, em contos breves onde o humor é cáustico, a esperança uma luz ténue e a solidão impera.
Ao longo destes dezassete contos, lidamos com uma inveja tão grande que é capaz de alimentar uma vida inteira, mesmo quando esta se encontra às portas da morte – “O Anel”; cortamos laços e aprendemos a mudar de foco – “Intervenção Mínima”; bebemos a ideia quase bíblica de que vale a pena esperar pela pessoa que traga o nosso medalhão ao peito – ou, pelo menos, que fique bem a nosso lado numa daquelas fotos destinadas a figurar numa moldura – “Medalhão ao Peito”; somos quase tentados a acreditar na velha máxima de que o vinho é o melhor remédio para qualquer maleita – “A entrevista”; ouvimos um monólogo em forma de história que retrata uma violação – “O Elo Invisível”; saímos da caixa e lidamos com a inveja, a raiva, a competição e a arte; recorremos à memória para roubar uns beijos e trocar uns olhares de desafio, num mundo carregado de traições, reparações e segredos – “Na fotografia”; regressamos à infância e aos tempos em que os chupas eram vendidos à porta da escola por uma avó de rabo grande, onde por entre a nostalgia e a paranóia sentimos o primeiro e gélido sopro da morte – “Brilho Vermelho”; resgatamos o amor em falta com a sombra de uma segunda oportunidade – “Amor de Mãe”; recuperamos os amores e as memórias que conseguem nadar contra a corrente e permanecem vivas – “Sem que tu estivesses lá”; após lidarmos com os tiques nervosos de Deus e da narradora, conhecemos um criador de perfis falsos que nega a ideia de felicidade e busca o auto-perdão – “Corpo a Corpo”; a partir de um riso que chega como assombro, presenciamos um caso de violência doméstica – “Eu vi nascer uma flor” ; sentimos as dores da antecipação de um regresso, num conto que é, também, sobre a morte das aldeias e das famílias – “A Viagem”; entre o racismo e a luxúria, damos de caras com um mantra para totós – “O jacuzzi e a pantera”; conhecemos alguém com “um demónio mais assustador do que a morte“, entre a morte do romance, a terribilidade do acaso e as concessões prestadas ao the man – “A Demoníaca” em dose dupla; e terminamos a viagem com amargura, arrependimento e, também, alguma esperança – “Milagres nas minhas mãos”.
Formada em jornalismo, Patrícia Maia Noronha passou pela rádio, deu aulas de cultura portuguesa em Estabelecimentos Prisionais da área de Lisboa, trabalha como jornalista freelancer e desenhou um projecto de Capacitação Através da Leitura e da Escrita, que tem vindo a desenvolver junto de jovens institucionalizados e idosos. Após uma Menção Honrosa no Prémio Literário Alves Redol e o terceiro lugar na Maratona de Escrita de Guiões da Restart, “O Elo Invisível” leva-nos a crer que a escrita e a literatura poderão vir a ganhar um peso maior na sua vida – os leitores agradecem.
Sem Comentários