”Os seres humanos são as nuvens de onde chovem as histórias, mas também são cacos de vidro que canalizam a sua luz, concentrando-a tão intensamente nela, que estas acabam por arder. Os seres humanos e as histórias complementam-se. Nós narramo-las, mas elas também nos narram, alcançando-nos com as suas mãos suaves, e acolhem-nos de braços abertos, envolvendo-nos no seu enleio. Isso acontece especialmente quando nos atolamos em vidas que não nos fazem sentido. Todos nós precisamos de uma direcção, e as histórias podem, por vezes, devolver-nos essa direcção”.
Michael Marshall é um autor britânico de bestsellers, de thrillers e de literatura fantástica, que vale a pena ler demoradamente para saborear o estilo perfeito. Venceu quatro vezes os prémios atribuídos pela British Fantasy Society, tornando-se o autor com mais nomeações até ao momento, e ainda recebeu o August Derleth Award para Melhor Romance, em 1995, e o Philip K. Dick Award, em 2000. O seu livro, “The Intruders”, foi adaptado para série televisiva com o mesmo nome, em 2014.
“O Diabo, o Relojoeiro e a Máquina dos Sacrifícios” (Topseller, 2017) conta uma história fantástica, que se inicia num mundo aparentemente banal de uma oficina de um relojoeiro, também ele normal, embora possuidor de um “extraordinário talento”. Até que, um dia, “alguém” entra na sua oficina com o mais bizarro dos pedidos: construir uma máquina para converter a maldade do mundo em energia. “Alguém” que, vai-se a ver, é o próprio Diabo, possuidor de técnicas extremamente persuasivas para obter o que deseja.
Passam-se dois séculos, e o Diabo e a sua Máquina enfrentam agora alguns problemas. É então que Hannah Green, a pequena e ingénua personagem principal, se vê arrastada para uma tenebrosa aventura maquinada pelo Diabo (um ser diferente da nossa imagética pessoal), num mundo onde as aparências e as coincidências pura e simplesmente não existem.
Neste mundo, a protagonista vive um feito extraordinário, muito parecido com “Alice no País das Maravilhas” mas transformado em qualquer coisa como “Hannah no País do Além”. A confusão entre o real e o imaginário, a existência de uma quinta dimensão (twilight zone) e o turbilhão de personagens fantásticas (algumas mesmo muito simpáticas), torna esta história única e extremamente original.
Apesar do grande universo temporal em que se passa a história, esta é de uma actualidade e interesse permanentes. O mundo fantástico e extravagante criado por Michael Marshall, numa linguagem perfeita e um estilo bem trabalhado, é um mundo no qual o leitor entra muito facilmente, confrontando-se com factos, temas e emoções da sua própria vida, muito graças à intemporalidade e peso humano da narrativa. Mesmo que, duas das personagens principais – autores das melhores dissertações sobre o ser humano -, não sejam afinal humanos.
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