Por volta de 1840, a classe média emergente encontrou o seu novo combate de gladiadores: os espectáulos de horrores – ou, no original, freak shows. Autêntica instituição da Era Vitoriana inglesa, os freak shows duraram até final do reinado de Eduardo VII – no começo do século XX -, e dele fizeram parte mulheres com barba, anões, gigantes ou outras pessoas com anomalias ou particularidades físicas, que se tornaram “famosas” em circos dedicados a este exótico e peculiar modelo de entretenimento. É este o cenário que serve de fundo e inspiração a “O Circo das Maravilhas” (Topseller, 2022), livro de Elizabeth Macneal que sucede a “A Fábrica das Bonecas” e que a confirma como uma das escritoras escocesas a manter debaixo de olho.
1866. Numa aldeia costeira de Inglaterra vive a jovem Nell que, desde o seu nascimento, foi vista como um mau presságio pelo pai por ter manchas na pele. “Toda uma vida a ser simultaneamente demasiado visível e demasiado invisível” – parecia ser este o destino inatacável de Nell, mantida desde sempre à margem por uma comunidade inteira.
A sua vida transforma-se com a chegada à aldeia do Circo das Maravilhas de Jasper Jupiter, a quem o pai a venderá por um punhado de moedas, negociata que levará Nell até à cosmopolita Londres, cidade onde atingirá o pico de sucesso como atracção de circo.
Será aqui que Nell irá conhecer Toby, o irmão de Jasper, com quem parece partilhar “um desassossego semelhante”. Toby e Jasper combateram em Sevastopol, na Crimeia, sendo através desta “nova guerra, uma guerra com máquinas, onde jornalistas se misturavam com militares, onde as novas invenções detinham o poder”, que nos será revelada esta relação desigual, onde Jasper é claramente o irmão dominante. A relação de forças será testada por Nell que, tal como Ícaro, se aproximará demasiado do sol.
História de amor e sacrifício, poder e vaidade, letargia e transformação, “O Circo das Maravilhas” lança igualmente um olhar sobre a (in)diferença, num período da História onde assistimos ao nascimento da era das máquinas na sombra de Frankenstein, Dédalo e Ícaro. A escrita de Elizabeth Macneal vai guardando o fogo de artifício para o final, fazendo render ao leitor o bilhete comprado para este circo.
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