Os contos que fazem parte de “O Avesso e o Direito” (Livros do Brasil, 2020), o primeiro livro de Albert Camus publicado em 1937, foram escritos entre 1935 e 1936, tinha então Camus 22 anos. Uma edição que contou com um número muito reduzido de exemplares, e que esteve esgotada durante muitos anos. Tudo porque Camus sempre se opôs à sua reedição, uma vontade que durou até 1958, ano em que, ao reler este conjunto de ensaios, descobriu neles todos os temas de que se alimentaria a sua obra.
Segundo Camus, nunca esteve em causa renegar estes escritos de juventude, “mas a sua forma sempre me pareceu desajeitada”. Porém, como o próprio refere no prefácio escrito para a reedição de “O Avesso e o Direito”, “há mais verdadeiro amor nestas páginas desajeitadas do que em todas as que se seguiram”, fazendo deste livro a fonte única à qual foi beber – bem como a sua tábua de salvação: “Por mim, sei que a minha fonte está em O Avesso e o Direito, nesse mundo de pobreza e de luz em que vivi por muito tempo e cuja recordação me preserva ainda dos dois perigos contrários que ameaçam todos os artistas: o ressentimento e a satisfação”.
Em A Ironia, o conto inaugural, encontramos uma velha “mergulhada enfim, e sem regresso, na miséria do homem em Deus”, que acreditava que “o amor é uma coisa que se exige”, e um velho que “morrerá em beleza, quero dizer, a sofrer”. A ironia, essa, descobrimo-la na recriação de uma verdade inescapável: “A morte para todos, mas para cada um a sua morte”.
Entre o Sim e o Não define a felicidade como “o sentimento condoído da nossa desventura”, prestando uma lição de amor e pobreza num regresso a casa que não é mais que um regresso à própria infância – e que, emocionalmente, se situa entre a esperança e o desgosto de viver.
Com a Morte na Alma apresenta-nos a um homem que está sozinho em Praga, com pouco dinheiro e ainda menos entusiasmo, e que se diz “reduzido a mim mesmo e aos meus míseros pensamentos”. Alguém que é, sempre, prisioneiro de si mesmo e que procura uma “plenitude sem lágrimas, aquela paz sem júbilo que me enchia”.
Numa nota de rodapé ao conto Amor é Vida, conta-se que os espanhóis são um dos raros países civilizados da Europa, apresentando-se o medo como o sentimento que dá valor à viagem, seja ela geográfica ou sentimental. Afinal, “não há amor à vida sem desespero de viver”.
A encerrar a colectânea temos O Avesso e o Direito. Um conto onde um túmulo comprado, no fim da vida e através de uma herança algo improvável, por “uma mulher original e solitária”, acaba por se tornar “a sua única saída e a sua única distracção”.
“Entre este direito e este avesso do mundo, eu não quero escolher, não gosto que se escolha”. Num mundo habitado por gente apressada, é sempre um reconforto regressar a Camus.
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