“Sinto pena do homem que deseja um casaco tão barato que o homem ou a mulher que produz o pano ou o transforma numa peça de roupa passa fome ao fazê-lo.”
Benjamin Harrison, presidente dos Estados Unidos, 1891
Decorrido mais de um século sobre as sábias e corajosas palavras do vigésimo terceiro presidente dos EUA, continua a revelar-se premente alertar o mundo em geral e cada ser humano em particular, para o poder tantas vezes déspota e discricionário de quem pode pagar a quem precisa de ser pago. Rob Hart, jornalista e editor nova-iorquino especializado em política e comunicação, consegue fazê-lo com o romance “O Armazém” (Saída de Emergência, 2019), entusiasmando os fãs de ficção distópica, de thrillers futurísticos e da sátira.
Através de Gibson, o miúdo que queria ser astronauta e acabou por criar e gerir a maior empresa de retalho eletrónico e de computação do mundo, é explorado o valor do empreendedorismo precoce, da transformação da ambição saudável em desejo exagerado de ter e receber, do verdadeiro endeusamento do mercado. Qual Messias moderno, Gibson considera ter encontrado o equilíbrio perfeito entre o crescimento económico (a sua própria riqueza) e o desenvolvimento sustentável, colectivo e individual. Após um criterioso processo de selecção, os bafejados pela sorte de entrar para a Cloud têm oportunidade de viver e perecer onde trabalham, onde tudo está assegurado com base num apertado sistema de objectivos, avaliação de desempenho e retribuição-penalização.
“Vivemos num estado de entropia. Compramos coisas porque estamos a cair aos bocados e a novidade nos faz sentir inteiros. Estamos viciados nessa sensação.”
Com algum risco de estereotipização, as personagens sucedem-se conferindo interesse e dinâmica a uma narrativa onde não faltam questões sobre dignidade, humanidade, espionagem corporativa, acção e introspecção, com mensagens relevantes apresentadas de forma tempestiva.
Um livro que nos permite um exercício de projecção da realidade e da definição de limites em termos de sobrevivência material; que viaja pelo mundo do empreendedorismo e da sua ausência de limites, pelo facto do sonho de uns poder transformar-se no pesadelo de outros, na infinita capacidade de transformar a ambição em determinismo; que impressiona como mostra a forma como uma aparente preocupação quanto ao bem-estar dos trabalhadores pode esconder um exercício de domínio e controle das suas vidas, dos seus movimentos e da sua liberdade – novas formas de escravatura moderna; que apresenta um sistema que faz recear que os pensamentos ou as ondas cerebrais possam ser captadas e censuradas, tal a percepção de controlo e falta de privacidade.
Rob Hart consegue com esta utopia negativa lembrar que o amorfismo e a submissão é um risco real mas que, ainda assim, a liberdade é nossa até dela desistirmos.
2 Commentários
Boa tarde Francisca!!! Tudo bem?!
Amei sua resenha
Tenho uma dúvida: A Nuvem de Rob Hart é o mesmo livro O Armazém, pois li A Nuvem e é exatamente o mesmo livro….
Olá 🙂 É o mesmo livro, recebeu foi títulos diferentes nas edições portuguesa e brasileira. Cumprimentos!