Continua a muito bom ritmo a publicação da obra de Maurice Sendak pela Kalandraka, cujos volumes editados são já suficientes para encher uma prateleira. Desta vez temos “Num Molho de Bróculos! Ou a Vida Não Pode Ser Só Isto” (Kalandraka, 2019), publicado originalmente em 1967, e que constitui a sua obra mais extensa, nela se encontrando reminiscências de umas rimas de Samuel Taylor Goodrich, nascido em Conneticut, lugar onde Sendak viveu até à sua morte em 2012. E que foi, igualmente, uma homenagem a Jennie, uma Sealyham Terrier, à qual Sendak esteve muito unido e que veio a morrer em 1967.
Jennie que, diga-se, tem uma vida tão faustosa que poderia ser chamada de dondoca canina: uma almofada em cada um dos andares da casa onde vive, um pente e uma escova só para si e uma série de remédios e gotas para os ouvidos. Apesar disso e diante do espanto de uma planta, decide deixar o bem bom para trás: “Quero qualquer coisa que não tenho. A vida deve ser mais do que ter tudo!“.
O Teatro acaba por se revelar uma hipótese, quando vê um cartaz que lança o concurso para a actriz principal do Teatro do Mundo e da Mãe Gansa. No casting percebe, porém, que lhe falta a experiência, partindo à sua procura para mais um mergulho no desconhecido.
Pelo caminho acaba por se tornar a baby-sitter de uma bebé que se recusa a comer, e que por cada falhanço consegue que a baby-sitter acabe na boca do leão que vive na cave de sua casa. Jennie, que vai dizendo que sim a tudo desde que a afirmação acabe no prato, é um bom garfo de apetite insaciável, e tudo fará para que a nova profissão a preencha – se não a alma, pelo menos o estômago.
História sobre o desejo de imortalidade e, em paralelo, a busca e a concretização dos sonhos, este livro de Sendak mostra que a insatisfação será sempre natural no ser humano, que com o desejo de mudança poderá sempre terminar em algo pior mas, também, fazer com que se fique mais perto da felicidade – o quem não arrisca não petisca da sabedoria popular. Mas há, também, a capacidade do reconhecimento e o não renegar do passado: do que se teve e daquilo que se deixou para trás.
As ilustrações são puro Sendak, desenhadas a preto e branco, onde aos múltiplos detalhes se junta a paixão pelo quase fantástico – só falta mesmo a barba naquele bebé de rosto adulto. Para as páginas finais fica reservado uma espécie de twist cénico, onde a entrada de cabeça do teatro transforma tudo num filme mudo. Mais um para coleccionar com amor.
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