Na vertiginosa recta final do concerto da Doninha, já depois de Carlão ter carregado ao colo uma sorridente criança junto às filas da frente, Virgul fez-nos descer à terra para recordarmos, cada um com os seus botões emocionais, a longa travessia feita pelos Da Weasel. Uma viagem que arrancou em 1993, finou em 2010 e ressuscitou, que nem Lázaro, em 2022 (depois dos cancelamentos pandémicos de 2020 e 2021), para um muito aguardado concerto no NOS Alive.
Após reconhecer alguns pregos e um nervoso miudinho, Virgul falou da responsabilidade acrescida de terem ali, entre as cerca de 50000 pessoas, os seus filhos e filhas, muitos deles a verem-nos tocar pela primeira vez, brincando com o facto de que, quando chegassem a casa, todas as falhas iriam ser analisadas à lupa pela miudagem.
A dado momento do calendário, os Da Weasel foram a mais popular das bandas portuguesas, marcando toda uma geração e conseguindo perdurar nas seguintes, com canções que continuam a arrepiar duas décadas depois. Este foi por isso um momento histórico, num dia onde, desde muito cedo, iam entrando no recinto pessoas envergando T-Shirts oficiais e outra indumentária da banda – na altura ninguém se lembrou ou teve guito para pensar em merchandising.
“Não há declarações sobre o futuro. É jogo a jogo”, disseram os Da Weasel na conferência de imprensa que deram poucas horas antes do concerto, o que deixa no ar a ideia de que esta poderá ter sido mais que uma convocatória solitária. Há, também uma biografia a caminho, a ser publicada no próximo ano, que tratará de fixar em papel a história de uma doninha que, em dado momento, todos quisemos ter como animal de estimação.
Foi com um beat capaz de alargar a caixa torácica e sob o logótipo da doninha que, um a um, se foram instalando no palco DJ Glue, Carlão, Jay Jay, Quaresma, Virgul e Guilherme Silva, que arrancaram com um inesperado – teria dado um bom dinheiro numa casa de apostas – “Loja (Canção do Carocho”, do quinto longa-duração da banda intitulado “Re-Definições” (2004), tema com o qual se pôde desde logo testar a memória lírica da plateia, que correspondeu a preceito na chegada do refrão: “Vai fechar a loja e o puto não comprou nada/ não comprou nada”. Não há outra forma de o dizer: a Doninha abriu o livro e todos sabiam a história de cor.
Carlão e Virgul foram dedicados mestres de cerimónia, Jay Jay comandou a secção rítmica com o habitual estilo e descrição, Guilherme arranhou as cordas como um gato selvagem e Glue lavou mais pratos do que uma máquina em hora de ponta. Durante hora e meia as letras estavam na boca de toda a gente, que pulava quando Virgul lançava os seus comandos “jump” e que deslizava os braços entre a esquerda e a direita, num incrível momento ondulante que fez parecer que o Tejo, mesmo ali mesmo à mão, queria dar também uma perninha.
Do património Da Weasel há canções com vários embalos e saídas de geografias emocionais distintas, sejam gritos inflamados contra o poder, cocktails contra a hipocrisia ou pirosas declarações de amor – “como todo o amor dever ser”, ouve-se “Re-Tratamento”, canção cantada em coro como se esta pudesse, como disse Virgul, ser mesmo a última vez. Parece haver, no livro da Doninha, uma canção para cada um, criando um elo individual que se transforma, depois, numa memória colectiva, o que fez deste um concerto emocional, catártico e festivo onde, mais do que a nostalgia, foi a urgência do agora que dominou. Adivinha quem voltou.
Fotos: Arlindo Camacho / Hugo Macedo
Sem Comentários