Alberto Manguel é, no que toca à Literatura e usando o bom falar nortenho, um Senhor. Da sua vasta bibliografia constam diversas pérolas, todas elas fazendo pulsar uma veia de bibliófilo ou de acelerador da imaginação que tem encantado leitores um pouco por todo o mundo. Como esquecer, por exemplo, “Uma História da Curiosidade”, onde traça o mapa da sua própria vida enquanto curioso, recorrendo às leituras que fez ao longo do caminho num misto de filosofia, literatura e memória? Ou “A Biblioteca à Noite”, onde nos conta a sua história das bibliotecas e dos mitos associados aos livros, bem como o fascínio e os enigmas que a literatura reserva num amor que, segundo ele, tem de ser aprendido?; e o que dizer desse “Dicionário dos Lugares Imaginários”, onde a meias com Gianni Guadalupi nos levou a viajar por 1200 lugares que existem apenas na literatura, de Xanadu ao país das maravilhas de Alice?
Agora, em “Monstros Fabulosos” (Tinta da China, 2019), Manguel – que diz poder fazer uma genealogia da sua vida a partir das leituras que fez – oferece-nos um pequeno catálogo de algumas das personagens literárias que ganharam vida para além das páginas, e que permanecerão para sempre com os leitores. Um livro que vê Manguel fazer um elogio de todo o tamanho à palavra impressa: “A biologia diz-nos que descendemos de criaturas de carne e osso, mas, no fundo, sabemos bem que somos filhos e filhas de fantasmas de papel e tinta”.
Segundo Manguel, as personagens que habitam este cardápio monstruoso são bem mais importantes do que os seus autores, continuando hoje em dia – e apesar de várias releituras – a levantar perguntas para as quais dificilmente poderemos devolver uma resposta segura.
Entre os vários monstros fabulosos, escolhidos a dedo por Alberto Manguel, encontramos gente como a Capuchinho Vermelho, que para Manguel segue o mesmo credo de Thoreau: a desobediência civil; Drácula, “apóstolo do sangue, senhor da noite, invasor do sono da privacidade do quarto”; Alice, que nos mostrou que o País das Maravilhas é tal e qual o nosso mundo; o Super-Homem de Nietzsche, que “está mais próximo de Lex Luthor do que do Homem de Aço”; ou Quasimodo, um exemplo da “contradição entre o exterior e o interior, entre o visível e o oculto”.
À semelhança de um encantador de serpentes, Alberto Manguel possui a capacidade de seduzir e alienar o leitor através da sua prosa imaginativa, apresentando aqui um tratado sobre cada um destes monstros fabulosos. Isto ao mesmo tempo que convida a ler ou a reler os diversos livros nos quais estes habitam, avançando pé ante pé por entre essa infindável e irrealizável missão literária que dura tão só uma vida inteira. Um mágico da Literatura, este Manguel.
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