O negrume das guardas do livro conduz o leitor a noites cerradas, fazendo prever dias sombrios, frios e silenciosos. Um grupo de animais antropomorfizados, deslocados do seu meio ambiente, caminham em silêncio, com a imagem da morte por perto. A opção por animais é intencional, confessa a autora, não atribuindo qualquer raça ou lugar de proveniência às personagens, concedendo à narrativa a universalidade que lhe é própria. Caminham juntos. Sofrem. Entreajudam-se. Nenhum deverá ficar para trás. Para onde irão? Vão de viagem? O que levaram na pequeníssima mala de viagem? Estas e muitas outras perguntas poderão ser colocadas enquanto as personagens permanecem em silêncio e viajam por caminhos sórdidos e ensombrados.
“Migrantes” (Orfeu Negro, 2021) é uma narrativa que carrega em si um silêncio que fere. Um poema visual. A ausência de palavras é sinónimo da dificuldade que existem em explicar, aos mais novos e mais velhos, os dramas que estas personagens carregam consigo. Os migrantes deslocam-se não só por causa de ameaças de perseguição ou morte mas, também – e principalmente -, em busca de uma vida digna.
Esta é a história de todos os que atravessam geografias ondulantes, campos e montanhas, rios e correntes, mares e muros, que dizem não à fome, à guerra e ao terror. Esta é a história dos migrantes, refugiados, deslocados. Órfãos e viúvas, filhos e pais. Naufragados? Resgatados? Apátridas, desaparecidos, ilegais. São muitos: centenas, milhares. A maioria de nós não os conhece, mas sabe que deambulam por aí, em silêncio. Esta é a história de uma viagem de incerteza, onde a morte e a esperança coincidem. De uma situação real e actual, narrada sem eufemismos. Esta é uma história para quem se questiona, para todos os que gritam e continuam a lutar pela equidade, empatia, dignidade e pelos direitos humanos. Esta é uma história para ler e dar a ler.
Ler em silêncio. Terminar a leitura em silêncio. Permanecer emudecido. Há silêncios terríveis, que tornam difícil encontrar a palavra que expresse melhor a dor sentida. Mas serão mesmo necessárias palavras?
Issa Watanabe nasceu no Peru em 1980. Estudou Literatura, Belas-Artes e Ilustração. Viveu alguns anos na ilha espanhola de Maiorca, onde conheceu migrantes fugidos da guerra e da miséria. Cor e detalhe, sombra e luz, são elementos essenciais no seu trabalho. Em 2018 foi seleccionada para a Exposição de Ilustradores da Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha. O livro “Migrantes” ganhou o Prémio Sorcières 2021.
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