Depois de passarmos os olhos por “Mas Há Melhor do que Isto?” (Editora Narrativa, 2022), fica claro de que Kurt Vonnegut teria sido o homem certo para animar casamentos, baptizados e funerais. O livro, que conta com uma muito elogiosa introdução de Dan Wakefield – responsável pela organização deste volume – e um prefácio de Afonso Cruz, reúne 15 discursos de Vonnegut, proferidos diante de finalistas que se preparavam para a muitas vezes complicada transição da escola para a vida, e a quem Vonnegut fala com um espírito de missão: “A função do artista consiste em fazer com que as pessoas gostem mais da vida do que antes” – algo que, com Vonnegut, aconteceu depois de ter ouvido os Beatles.
Em poucas linhas, Dan Wakefield resume o encanto de Vonnegut e o fascínio que este veio a exercer sobre várias gerações de fãs: “Vonnegut nem simplificava a escrita para os seus leitores nem tentava sufocá-los com a sua sabedoria. Era divertido e profundo ao mesmo tempo, e também com esse estilo e esse espírito se dirigia aos finalistas. Não se dirigia a eles como se fossem uma classe diferente e inferior por serem jovens; desprezava as generalizações sobre gerações”.
Ao longo destes 15 discursos, onde descobrimos partes em comum mas nos quais Vonnegut criou sempre algo de novo e adaptado à ocasião, fala-se um pouco de tudo, mantendo sempre a ideia de que a misericórdia foi “a única boa ideia que tivemos até agora”. Nesta edição da Narrativa, temos para cada discurso (pelo menos) uma ilustração, o título do mesmo, o local e a data em que foi proferido e uma espécie de sinopse. 15 discursos a que se sucede um remate com “Sem amarras temporais – citações para pensar”, arrancadas aos discursos de Vonnegut. Como esta pérola: “O verdadeiro terror é acordar uma manhã e descobrir que os nossos colegas de liceu estão a governar o país”.
Nesta viagem de finalistas e um pouco como acontece com os chapéus, há um discurso para cada um, e são muitas as preciosidades, os ensinamentos ou os alertas que aqui encontramos: conselhos como este – o único – que o seu pai lhe deixou: «Nunca metas nada no ouvido»; comentários políticos com algo de visionário – “Só há malucos a quererem se presidentes”; referências ao aquecimento global; um apelo à família alargada, seguido de um elogio à justiça social e um outro apelo ao gasto em escolas, hospitais e… rodas gigantes; ou a urgência de repararmos nas pequenas coisas, obrigando-nos, sempre que a ocasião o exija, a pormos na boca as palavras certeiras que o tio de Vonnegut lhe ensinou para celebrar todos os pequenos-grandes momentos da vida: mas há melhor do que isto? Se andam à procura de inspiração para um discurso público, este livro vale bem uma espreitadela.
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