Há quem, na chegada de uma marca redonda no que toca à idade, decida festejar à grande, seja fugindo do bulício do mundo para evitar a lembrança ou, se a ideia for mais de encontro ao espalhafato, convidando amigos, amigos de amigos e tudo o que é vizinhança para uma daquelas festas cujas memórias do dia seguinte podem ser ténues. Chegado ao livro 100, o Planeta Tangerina decidiu-se pela segunda hipótese, juntando ao seu catálogo – e à colecção Dois Passos e Um Salto – uma edição de luxo.
Com texto de Ana Pessoa e ilustrações de Bernardo P. Carvalho – que dão seguimento à colaboração de “Desvio” (ler crítica), vencedor do Prémio Amadora BD para Melhor Obra de Ilustrador Português em 2020, “Supergigante” (ler crítica) e também a “O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca”, a primeira obra de Ana Pessoa que venceu o prémio Branquinho da Fonseca – Expresso / Gulbenkian, na modalidade Juvenil -, “Mar Negro” (Planeta Tangerina, 2023) leva-nos até ao Conchas, um bar de praia gerido por dois jovens com motivações bem diferentes: Inês, mais dada aos bastidores, esfrega, limpa, arruma, repõe stocks, tira cafés e prepara a comida; JP – João Pedro no CC – serve às mesas e, nos intervalos, lê o jornal, manda piadas parvas e come parte dos stocks destinados à clientela.
A incompatibilidade entre ambos será quebrada por um trágico acontecimento, no qual uma rapariga aparece a boiar no mar, a que se sucederá uma descoberta na secção de perdidos e achados que irá colocar cada um deles perante os seus medos, fantasmas e inquietações.
Ana Pessoa oferece-nos uma história sobre a identidade a partir de dois olhares distintos, abordando questões como a falta de limites, as leis, a emigração, a descoberta do amor e do prazer, o casamento, a mudança, a maturidade, a descoberta do amor e do prazer, as amizades – que é preciso regar –, a trabalheira e os desvios das relações – ou, claro, a sempre tramada vida adulta.
Bernardo P. Carvalho faz render a única cor – um azul metalizado – com que ilustra este “Mar Negro”, juntando-lhe, como uma fronteira deixada aberta, linhas laranjas com o ar de mapas sentimentais, bem como discretas bolas laranjas espalhadas pelas páginas que têm o ar de românticos erros de impressão. Esperemos que a dupla Pessoa/Carvalho se volte a juntar para mais uma banda desenhada.
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