Luci Gutiérrez é ilustradora e vive em Barcelona. Do seu percurso variado – e premiado – fazem parte a publicidade, a imprensa – colabora regularmente com publicações como The New Yorker, The New York Times e Wall Street Journal) mas também a publicação de livros para miúdos e graúdos, como é o caso de “As Mulheres e os Homens”, publicado anteriormente na colecção Orfeu Mini. Também na Orfeu mas na Colecção Casimiro, apresentada como feita de livros ilustrados para gente madura & extravagente, chega-nos “Manual de Auto Defesa” (Orfeu Negro, 2021), livro a preto e branco servido em capa dura onde reina o humor negro.
Um livro pessoal e transmissível, no qual a ilustradora mostra ao que vem logo no primeiro parágrafo: “Eu sofro e desenho. Por vezes ao mesmo tempo. Para uma mulher branca ocidental a que não falta nenhuma das suas necessidades básicas, uma confissão destas é um pouco embaraçosa. Mas as coisas são o que são. Tenho estatura baixa e o meu ponto de vista do mundo é contrapicado, o que acarreta consequências. E sei que não estou sozinha. Ponho a minha mão no fogo (para sofrer um pouco mais) ao afirmar que todasas almas se atormentam quando, diante do espelho, vêem o modo acidentado como caminham pela vida, o que é um alívio. Sobretudo porque a inépcia dos outros é divertida”.
Esqueçam as frases inspiradoras, a felicidade vendida aos gramas e abracem, de forma sentida, a infelicidade humana, aquela que muitas vezes varremos para debaixo do tapete como num conto de Poe. Elegendo o sofrimento como fazendo parte das técnicas de auto-defesa, Luci Gutiérrez quer aqui “dar um rosto ao monstro em que a fealdade humana se pode transformar, de o tornar animal de companhia”.
Chora-se às escondidas, guardando-se as lágrimas em frascos; faz-se vudu numa confortável cadeira de balouço; experimenta-se fazer chichi para o ar em posição deitada; assiste-se a uma cerimónia de casamento muito alternativa; arranjam-se palavras últimas que ficariam bem como epitáfio – “Tens uma nódoa na camisa”; faz-se do amor um aceso combate; mostra-se algum medo com a ideia – ou o buraco negro – de um mundo sem convenções; conjuga-se o verbo Sofrer numa linguagem poética; confessamo-nos ao espelho, encarnando o espírito Panini para trocar uma Avé Maria por dois Pai Nossos; vai-se a velórios para ter alguém com quem conversar.
Com nomes de capítulos que são verdadeiras tiradas existenciais, a fazer lembrar Douglas Coupland no pico de forma em Geração X, Luci complementa as ilustrações com textos breves e cirúrgicos, oferecendo ao leitor um manual de auto ajuda incendiário. A haver um mantra nestas páginas, servido como verdade filosófica ou spoiler existencial, seria certamente este: “No fim, morrem todos”. Ámen.
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