Em “Como Antes” (ler crítica), um livro sobre dois irmãos que viveram quase toda a sua vida num imaginário ringue de boxe, Alfred dava início à sua “trilogia italiana”, levando o leitor numa viagem de reparação através de ilustrações minimalistas, onde era dado ao silêncio um papel central. A trilogia prossegue agora com “Maltempo” (Devir, 2024), servido numa bela edição de capa dura, desta vez centrado nos sonhos aparentemente irrealizáveis de Mimmo, um jovem de 15 anos que habita numa pequena ilha condenada ao esquecimento: “Aqui não há nada para fazer. Tirando escolher entre negócios escuros, trabalhar nas obras até rebentar… ou dar em doido!”.
Quando Mimmo descobre que Viene Cantare, um programa televisivo de grande audiência, virá à sua aldeia fazer audições, pega na guitarra e tenta juntar uma banda que oficialmente nunca se chegou a separar, com o intuito de se apurar para a grande final em Roma. Uma banda formada por personagens singulares como Cesare, o vocalista que prefere as árvores aos hotéis do futuro e tem uma capacidade inata para o insulto – sobre Gennaro, o baixista, Cesare diz que consegue manter uma “consistência na parvoíce”.
Nesta história de transição para a idade adulta, Alfred pega num grupo de personagens e mostra-nos os seus sonhos, subterfúgios e a parte de si que decidem esconder do mundo, numa jornada de sobrevivência onde se abordam assuntos como a emigração, a pobreza ou a falta de empatia.
As ilustrações de Alfred são um primor, a começar desde logo pela sequência de abertura a uma cor, continuando a mostrar um talento ímpar na forma de desenhar o silêncio e os seus tumultos. Ou quando ilustra, de forma singular, o ensaio e o momento de transcendência efémera de uma banda – podem escutar aqui os temas. Um talento que se estende ao argumento, que neste segundo livro acrescenta à melancolia um aguçado sentido de humor, sobretudo através da personagem de Cesare, que tem a receita infalível para o nervosismo de se estar sob observação: “Quando estou nervoso, fecho os olhos e imagino o Papa a cagar. É infalível. Desdramatiza tudo!”. Esperemos agora pela publicação portuguesa de “Senso”, o livro que fecha a trilogia, sobre “um homem, uma mulher, um parque e uma noite italiana que nunca termina”. Mamma mia.
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