Haverá, entre os presentes, quem já tenha experimentado a maternidade? E ser filho/a? Alguém sabe o que significa? O que se sente? O que se pensa? O que se experimenta? “Mães que tudo” (Companhia das Letras, 2019) é isso: uma compilação de experiências partilhadas, vividas ou tão só imaginadas, de pertença e de perda, sempre de enaltecimento e de homenagem ao ser e às origens, biológica e emocionalmente falando. Experiências de mães e de filhos/as, com equilibrada alternância de sujeitos.
Uma compilação de emoções, numa viagem ao mais íntimo do ser humano, a sua origem. A capacidade que uma mãe tem de se multiplicar para além do expectável, de resistir à carência, de sobreviver em cenários inimagináveis, com as reservas de força física e anímica completamente deficitárias. Mães que deixam marcas para sempre, da sua alegria e entrega, mas também do seu sofrimento. Mães que, através do ser mãe, modelam a maternidade de outras mães, noutros tempos, ainda que com a mesma história. Mães que se tornaram filhas, exigindo cuidado, atenção e aceitação, que descolam da realidade e, ainda assim, representam a felicidade de ter uma vida.
“O espaço em branco reconhece que nasci de um naufrágio, um surto da natureza na sua animalidade que transborda o humano.” Mães que Filipa Martins, em 12 Milímetros, ousou fazer sobreviver e, ao fazê-lo, preeencheu espaços em branco, ausências desejadas, outras sentidas como fustigadoras. Mães que “enconcham” existências, protegendo “pequenos pavios vivos“. Mães cobardes na sua coragem.
“A minha mãe é o meu tempo, conto-me a partir dela, uma cronologia pessoal com um início bem preciso nela. Na carne, na essência“, escreve Isabel Lucas, em E se ela chorar para sempre, reflectindo sobre mães que nos tornam mais delas, escapando ao tempo, ao expectável, tonando-se excessivas como quem “ama para sempre e chora para sempre“.
Mães que partem e que continuam. “Perder uma mãe é como perder uma arritmia cardíaca. Uma pessoa saudável não se lembra que tem coração, mas, se este adoece, torna-se o centro da atenção” (Terra, Isabela Figueiredo).
O cardápio de autoras é diverso, assegurando a riqueza de estilos, entre narrativas mais fluidas e pequenos cenários com trincheiras pensadas para o/abrigar o leitor a/no sentir. Acaso registos vividos ou tão só imaginados.
“O amor de mãe não obedece a leis e atropela, sem remorso, toda a matéria que se levante como um impedimento”. São as atmosferas criadas pela melancolia e delicadeza que caracterizam a escrita de Marlene Ferraz, onde a presença da morte está muitas vezes presente, riscando a vida de vazio mas, também, de luta e superação.
Ana Margarida de Carvalho, Cláudia Clemente, Djamilia Pereira de Almeida, Filipa Martins, Isabel Lucas, Isabela Figueiredo, Luísa Costa Gomes, Marlene Ferraz e Raquel Ribeiro. Ao todo, nove contos impregnados de identidade e perspectiva do ser e do sentir materno, muitos deles matéria bruta de emoção para ser processada pela maquinaria de cada leitor.
Uma edição em capa dura, lançada pela Companhia das Letras a pretexto do dia da mãe, pertinente a cada minuto que passa ou não fosse a maternidade um prolongamento da própria cronologia.
“Às mulheres caberá uma qualquer ginástica anatómica que lhes permita, mesmo que não saibam usar a agulha, continuar a bordar as linhas do tempo.” (Dez pequenos passos para deserdar uma mulher, Raquel Ribeiro)
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