“LoveStar tinha uma semente na mão e a semente tinha um cerne, e o cerne continha tanta vida, que ele temia ver o mundo estalar como a casca de um ovo se a semente se danificasse.”
Da Islândia chega-nos “LoveStar” (Bertrand Editora, 2018), um livro futurista, com rasgos de distopia, que promete pôr os leitores a reflectir sobre a evolução do mundo tecnológico e a importância de… uma simples semente.
Neste mundo futurista, a empresa LoveStar chegou para revolucionar e controlar todos os aspectos da vida humana, desde o amor até à morte. A partir do estudo da navegação por instinto das aves, a empresa descobriu como transmitir sons, imagens e mensagens entre seres humanos por meio de ondas eletromagnéticas. Assim nasce o “homem moderno sem fios”, com lentes oculares e auscultadores invisíveis, dando rédea solta ao consumo, à tecnologia e à ciência.
O plano do programa inLove, na missão de juntar casais perfeitos, parece promissor: “quando o mundo inteiro tiver sido emparelhado e o amor atravessar as fronteiras dos países, das raças e dos géneros, terminarão todas as guerras e conflitos”. Em caso de dúvida, liga-se para o serviço Remorsos, que logo ajuda as pessoas a resignarem-se com a vida, o mundo e o seu destino, vaticinando uma fatalidade caso aquele caminho não tivesse sido o seguido. Com a LoveDeath, os mortos são lançados em foguetões para o espaço, regressando à Terra em todo o seu esplendor, numa morte limpa, magnífica e atraente — um verdadeiro espetáculo de estrelas.
Tudo parece correr melhor que nunca, até ao dia em que o casal Ingriði e Sigríður decide desafiar este “mundo”. Numa felicidade aparentemente inabalável, e convictos de que serão ‘calculados’ para ficar juntos, descobrem que a inLove uniu Sigríður a outra pessoa e, a partir daí, a utopia que criaram começa a desmoronar-se. A ‘máquina’ parece não ter limites, a tecnologia e o marketing uniram-se para governar o mundo, num controlo esmagador, mas algo procura pôr tudo isso em causa: o amor e a ânsia de viver.
A imaginação mostra-se sem limites neste livro de Andri Snær Magnason, surgindo como um sinal de alerta, uma campainha que teima em soar nas nossas cabeças à medida que avançamos na leitura e — mais importante ainda — permanece connosco muito depois do fim. As ideias do autor são excêntricas, mas ao mesmo tempo de alguma forma verosímeis, numa sociedade imaginada à luz do deslumbre pela ciência e pela tecnologia, que nos vai fazer questionar sobre por que valores se deverá pautar.
A descrição deste mundo frenético e curioso torna-se complexa e pode fazer-nos demorar a entrar na trama propriamente dita, mas surge como uma provocação: Até que ponto as nossas decisões serão influenciadas e induzidas, ou mesmo nossas, fruto do livre arbítrio?
“LoveStar” conflui numa crítica ao capitalismo, ao consumo desenfreado, a uma sociedade pobre em humanidade e incapaz de enfrentar o sistema, contribuindo para um mundo saturado de problemas morais e ambientais. Uma leitura que faz o leitor pôr em perspectiva o mundo contemporâneo em, ao jeito de algumas distopias clássicas, com a curiosidade de o livro ter sido publicado pela primeira vez em 2002, mantendo-se em tudo actual.
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