O relógio marca 10h45. Estamos numa sala de aula na Escola Dr. João das Regras, Lourinhã, onde alunos do 8º ano (des)esperam impacientemente pela apresentação do livro “O Museu do Pensamento”, de Joana Bértholo, com o qual a escritora e dramaturga portuguesa levou para casa o Prémio Sociedade Portuguesa de Autores 2018, na Categoria de Literatura para o Melhor Livro Infanto-Juvenil. E que, dentro de duas semanas – e talvez ainda a tempo da Feira do Livro de Lisboa -, irá lançar um novo romance.
“Escrevo para um espectáculo onde ninguém diz nada”, diz Joana a propósito da dança e para quebrar o gelo, antes de iniciar “uma visita guiada a um museu muito especial”.
À pergunta “gostam de escrever?”, respondem timidamente dois braços levantados. Quanto a gostar de ler, o número aumenta para 10, 15. Tiago diz gostar de “histórias verídicas”, enquanto uma aluna de 13 anos diz ter adorado “A Casa dos Espíritos”, parecendo saber o porquê de muito boa gente olhar para um livro como um corpo estranho: “Estão mais ocupados a ver o telemóvel ou a conviver“.
“Quem gosta de pensar?”, atira então Joana, para receber de volta dezena e meia de dedos espetados. E, quando questionados sobre o que é pensar, as respostas começam a chegar, ainda que um pouco a conta-gotas: “É reflectir“.”É sonhar“. “Uma retrospectiva“.
Joana coloca então, fazendo lembrar uma das muitas invenções do Pardal – senão a mais mítica de todas -, um estiloso chapéu pensador, feito de lã vermelha. Depois de ler algumas definições incluídas no livro, pede aos alunos que escrevam, numa tira de papel, a sua definição de pensar. A parada sobe claramente: ”Apostar no Placard com uma resposta certa”; “Navegar sem se estar dentro de água”; “Sonhar com os olhos abertos”; “Ter poderes”; “Dizer palavras com ou sem nexo”.
Joana conta que o livro foi, antes disso, uma peça de teatro, apresentada no festival Teatro das Compras. Um texto encenado lido na Chapelaria Azevedo Rua (fundada em 1886), “uma catedral do chapéu“. Um lugar que fez Joana Bértholo colocar a si própria uma questão: em que pensariam estas pessoas que atravessaram este arco à procura de um chapéu?
Por convenção, a cabeça foi desde sempre apontada como a morada do pensamento, podendo dessa forma o chapéu ser encarado como um gravador de pensamentos. Faz-se silêncio – o possível numa turma de 8º ano cheia de alunos irrequietos – e, durante alguns segundos, cada um – a sua grande maioria de chapéus postos – procura dentro de si “o que é isto de pensar“.
“Eu adormeci“, diz alguém, ouvindo-se também um mais Sherlockiano “Eu estava a pensar naquilo que você estaria a pensar“. Joga-se ainda outro jogo, onde ganha quem não disser a palavra certa ou, melhor, quem conseguir morder a língua e conter-se em disparar a palavra óbvia que vai faltando nas frases atiradas por Joana, como “Mais vale um pássaro na mão do que dois a…”. “É isto que estão à procura quando põem o chapéu e fazem silêncio“, diz Joana antes de apresentar o pensamento como uma modalidade olímpica: “À semelhança do desporto ou da música, pensar exige treino“.
Introduz-se também a meditação, que alguém descreve como “ficar-se quieto a pensar“, falando-se daqueles momentos difíceis em que o nervosismo se transforma em bloqueio. A estratégia para os atravessar parece estar no recurso à meteorologia emocional: “A consciência é como um céu, infinito, e os pensamentos são nuvens. Da próxima vez que se sentirem bloqueados por um pensamento pensem nele como uma nuvem, que há-de acabar por passar“.
Joana chega ao fim da apresentação, não sem antes dizer que haveria muito mais para dizer, mas a inquietação com o toque para intervalo é já grande na sala. Talvez noutra altura, quem sabe se numa pesquisa googliana ou percorrendo um feed instagramiano, os alunos possam descobrir os poderes da imaginação ou saber como lidar com um dilema. E que, e isto apesar dos chapéus serem de facto muitos, percebam que há um que foi feito à nossa medida por um chapeleiro louco, que faz com que pensemos fora da caixa para desejar o impossível: “O que eu quero é que as pedras façam círculos quadrados“. A inspiração está, de facto, nos sítios onde menos esperamos.
Fotos de Rita Chantre.
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