Nascido em Buenos Aires no ano de 1948, Alberto Manguel cresceu em duas diferentes geografias – Telavive e Argentina -, tendo desde muito cedo desenvolvido uma relação apaixonada com os livros e a leitura. Aos 16 anos, quando trabalhava na livraria Pygmalion, em Buenos Aires, teve um pedido do mestre Jorge Luis Borges, já a caminho da cegueira profunda, para que lesse para ele em sua casa, algo que fez com gosto antes de se mudar para o continente europeu. Viveu em Espanha, França, Itália e Inglaterra, pagando as contas como leitor e tradutor para várias editoras.
Foi director da Biblioteca Nacional da Argentina entre 2016 e 2018 e, mais recentemente, mudou-se para Lisboa, cidade onde irá dirigir o futuro Centro de Estudos da História da Leitura, uma biblioteca pública que irá incluir os cerca de 40000 livros da sua biblioteca pessoal e que abrirá no dia 25 de Abril de 2024, isto se os empreiteiros não trocarem as voltas.
Editou cerca de uma dezena de antologias de contos sobre temas tão díspares como o fantástico ou a literatura erótica e, em nome próprio, tem sido ensaísta, romancista e autor de preciosidades como “Uma História da Curiosidade”, “A Biblioteca à Noite”, “Embalando a Minha Biblioteca”, o clássico “Com Borges” – um livro de memórias afectivas e de uma renovada curiosidade pela vida e pelos livros – e, a meias com Gianni Guadalupi, o “Dicionário de Lugares Imaginários”, qualquer coisa como um catálogo na forma de entradas enciclopédicas que inclui terras, ilhas, cidades e outros locais que apenas existem do domínio da fantasia da literatura mundial, ideal para viagens metais de grande fôlego. Um Dicionário que, recentemente, conheceu um novo capítulo intitulado “Livro de Receitas dos Lugares Imaginários” (Tinta da China, 2022), no qual Manguel junta duas das suas paixões: a literatura e a comida. Um livro onde podemos encontrar iguarias como sopa de amantes-demónios, dedos de feiticeiro, dinobúrgueres ou até um cocktail de sangue fresco – todos comestíveis, claro -, que nos enche a barriga e nos leva numa viagem por alguns dos mais marcantes lugares imaginários da literatura.
“Sempre me sento atraído por histórias sobre comida, ou melhor, histórias em que as personagens se detêm a comer, passam tempo a cozinhar ou se reúnem à volta de uma mesa”, conta-nos Manguel no prefácio desta bela edição em capa dura, como que desconfiando daqueles livros onde ninguém parece ter apetite ou tempo para dar ao dente.
Desde a adolescência que Alberto Manguel lê, altera e inventa receitas. Neste livro, atirou com a realidade às urtigas e concentrou-se antes “em comida de lugares que não existem senão na imaginação”, como que recuperando a ideia de uma casa – a de cada um – que existe independentemente de uma geografia física: “Nas mais variadas apresentações, de um elaborado banquete na Atlântida ao mais simples jantar na ilha de Robinson Crusoe, toda a comida (diz-nos a literatura) é, na sua essência, uma prova da nossa humanidade comum: pão para nos lembrarmos da terra de que todos viemos e sal para nos lembrarmos da terra a que todos regressaremos”.
O livro chega em mais uma esmerada edição com o selo da Tinta da China, embrulhado numa sempre apetecível capa dura. Para cada uma das receitas, divididas entre Entradas e Sopas, Pratos Principais e Molhos, Sobremesas e Bebidas, apresenta-se o seu lugar de origem – com uma curta e sumarenta sinopse -, a obra que deu corda à imaginação e, claro, a receita, todos os ingredientes necessários e o modo de confecção, não esquecendo as possíveis substituições – como, no lugar de sangue fresco, usar beterraba para confeccionar um cocktail vampiresco. Todas as ilustrações, uma para cada receita, são da autoria do próprio Manguel, casando na perfeição com esta deliciosa viagem pela imaginação. É pôr o avental e seguir caminho.
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