Antes de existir um Sei Miguel músico, a quem facilmente associaríamos ao trompete e ao universo do jazz, existiu um outro, mais dado ao desenho, que aos 15 anos tinha já obra publicada. Sei Miguel nasceu no ano de 1961, em Paris, cidade para onde voltou depois de uma infância passada no Brasil. Foi quando chegou a Portugal, nos anos 80, que a ilustração cedeu o lugar principal à música, ainda que nunca tivesse parado de desenhar. As ilustrações trocaram a luz da edição pela obscuridade da gaveta, até que uma parceria entre a portuense Marmita de Gigante e a lisboeta O Homem do Saco resultou, o ano passado, na edição de “Livro das Imagens: 2012 – 2013 – 2014 – 2015” (Marmita de Gigante/O Homem do Saco, 2017), um conjunto de 72 ilustrações originais desenvolvidas entre 2012 e 2015.
Ilustrações feitas com uma caneta Uni-ball, sem a ajuda de qualquer lápis ou borracha – ou mesmo correcções – nos cadernos que o acompanharam durante esses anos, que são apresentadas respeitando a ordem cronológica.
O habitual prefácio em prosa, carregado de elogios e palmadas nas costas, é substituído por dois poemas de Gastão Cruz, que fala do livro como uma “visita breve a personagens, situações, adereços e títulos criados por Sei Miguel”, tendo como acrescento um belíssimo verso de T. S. Eliot, retirado de “The Waste Land”: “These fragments I have shored against my ruins”.
A edição é belíssima, parecendo ter na capa e na contracapa selos que foram mal arrancados, qualquer coisa como pensos literários. O traço da tinta negra ocupa o lado direito da página, enquanto no lado esquerdo, na folha cinzenta e branca feita de grão, se revela o número da página.
Nestas páginas surgem personagens, algumas de momentos biográficos, outras de uma história que será comum ao leitor, sempre com títulos que oferecem pequenas pistas e atravessam temas ou sentimentos como a dor, o remorso ou a religião. O traço é sempre fino e preciso, não recusando nunca a imperfeição e o desvio, o enigma e um certo apelo ao surrealismo, características que estiveram sempre na ponta do trompete de Sei Miguel. Que, há não muito tempo, referiu numa entrevista que tinha mais de dois mil desenhos guardados, pelo que estarão certamente mais edições a caminho.
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