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Lisboa Noir, Deus Me Livro, Crítica, Saída de Emergêcia, Luís Corte Real
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“Lisboa Noir” | Luís Corte Real

Por Nuno Camões · Em 21/11/2023

A 1 de Outubro de 1928, o Governador de Lisboa emitiu um decreto proibindo que se andasse descalço na cidade. Passava a ser obrigatório, por lei, usar sapatos. Era uma forma de ocultar a pobreza e indigência de grande parte dos lisboetas. Imagine-se então nesse ano longínquo, nesta Lisboa desvalida. Porém, há algo de diferente. A cidade não parece de acordo com o que mostram os livros de história. Estamos numa metrópole ultra-cosmopolita e vanguardista, capital de um império, sobre cujos céus luminosos deslizam enormes dirigíveis — uma Lisboa alternativa, vestida com o preto e branco de Sin City, morada de detectives sarcásticos, vilões sinistros, jornalistas afoitas e amargurados super-heróis.

É este o universo de “Lisboa Noir” (Saída de Emergência, 2023). O autor do livro, Luís Corte Real, engendra um desfecho diferente para a sangrenta guerra civil de 1822, que opôs liberais e absolutistas numa luta pelo trono de Portugal. E se, em vez do seu irmão, D. Pedro, tivesse sido D. Miguel a sair vitorioso? Com base nessa premissa, a narrativa desenrola-se precisamente em 1928, mais de um século volvido sobre a vitória, e o homem que ocupa agora o trono é D. Miguel III, uma figura tenebrosa e envolta em mistério.

O livro é uma colectânea de contos atravessada por um arco narrativo comum. Corte Real, também autor de dois volumes centrados nas aventuras de Benjamim Tormenta, tece com maestria e mão segura a mistura de camadas e referências que enformam este mundo. Há ambientes decalcados do cinema noir dos anos 40; personagens saídos da fauna da literatura pulp à la Raymond Chandler e Dashiell Hammett; outros importados da chamada «era dourada» dos comics americanos; uns laivos da fantasia do cineasta e escritor Guillermo Del Toro, e até uma pitada da “Guerra dos Tronos”, na figura do anão detective Ulisses Garcia, espécie de Tyrion Lannister – se este houvesse nascido na Mouraria.

A própria cidade surge como personagem, retratada como uma Nova Iorque lusitana, onde a arquitectura pombalina se cruza com a frieza dos arranha-céus espampanantes. A cartografia desta Lisboa divide-a em duas metades antagónicas, deitadas em cada margem do Tejo: a norte, levanta-se uma urbe moderna e cintilante, povoada pela aristocracia, enquanto a sul se estende uma formigante favela com a alcunha de «Lismá» (como oposto de «Lisboa»), onde encontramos uma Chinatown, filipinos, macaenses, refugiados russos, emigrantes brasileiros e todo um mundo em constante rebuliço.

Lisboa Noir, Deus Me Livro, Crítica, Saída de Emergência, Luís Corte Real

Há dois contos escritos pela pena de autores convidados, um da autoria da portuguesa Sónia Louro e outro do brasileiro Gerson Lodi-Ribeiro. São interessantes variações de estilo, abordagens pessoais ao universo criado por Luís Corte Real, que só trazem ao livro mais valor. Nota positiva também para o grafismo cuidado e para a qualidade das ilustrações que permeiam as páginas.

“Lisboa Noir” é uma leitura prazerosa: dá gosto acompanhar as aventuras de personagens como o diminuto Ulisses, a corajosa jornalista Lana Bronze, espécie de cruzamento entre Lois Lane e Sandra Felgueiras, e o brioso Sem Pavor, justiceiro mascarado que impõe a ordem na noite lisboeta, entre muitos outros. Não faltam motivos de interesse nesta narrativa empolgante, espécie de porta de entrada para um universo que pede expansão, já que a última página deixa uma grande quantidade de perguntas e mistérios por esclarecer.

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Nuno Camões

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