Após a edição de “Um Gentleman em Moscovo” e “As Regras de Cortesia”, Amor Towles atirou-se ao romance de fôlego clássico, convidando o leitor a com ele percorrer a “Lincoln Highway” (Dom Quixote, 2022), a primeira estrada a atravessar a América de uma ponta à outra – inventada em 1912 e baptizada em honra de Abraham Lincoln. O resultado é novamente grandioso, confirmando que temos aqui um dos mais entusiasmantes contadores de histórias do nosso tempo.
Após uma prolongada estadia num reformatório, qualquer coisa como um campo de trabalho forçado onde pagou o preço de um crime cometido, o jovem – anda agora pelas 18 primaveras – Emmett Watson tem um plano: à boleia dos nove postais enviados pela sua mãe, de quem nada sabe há oito anos, irá percorrer, ao volante de um Studebaker Land Cruiser de 1948, a Lincoln Highway. O destino será a Califórnia, lugar de onde foi enviado o último postal. Com ele quer levar o seu irmão mais novo, regressando assim à quinta onde nasceu, no Nebraska, mas apenas para perceber que o tempo passou mas as cicatrizes estão longe de ter cicatrizado. A ajudá-lo terá Sally, uma espécie de christian stand up comediant, que torce o nariz aos machistas que escreveram a história de Jesus.
O seu plano começa a dar para o torto com a entrada em cena de Duchess, um tipo com a lábia do boss da Laranja Mecânica de Kubrick, que deixa para trás o reformatório em busca de uma pequena fortuna na companhia de Wooly, um tipo rico, fascinado por anúncios e com claros problemas mentais.
Amor Towles troca desde muito cedo as voltas ao leitor e, neste falso romance on the road, trata de trazer para as páginas a Grécia antiga e alguns clássicos da literatura – com a Odisseia de Homero e muitos actos Shakespearianos -, ao mesmo tempo que promove o regresso dos heróis para que, por breves momentos, também o leitor se possa transformar nessas imortais personagens.
Nesta viagem de auto-descoberta, onde se reclama o direito à esperança – e, talvez, ao sonho americano -, fala-se de confiança, medo e amizade, de materialismo, capitalismo e idealismo, da curiosidade pelo mundo e das histórias que resultam dessa sede de aventura – e que, bem regadas, se transformam na matéria primordial do ser humano.
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