Com 53 anos, Han Kang foi premiada com o Prémio Nobel da Literatura 2024, com os elogios a fazerem-se ouvir pela Academia Sueca: “Na sua obra, Han Kang confronta traumas históricos e normas invisíveis e, em cada um dos seus trabalhos, expõe a fragilidade da vida humana. A autora tem uma consciência única das ligações entre o corpo e a alma, os vivos e os mortos, e, com o seu estilo poético e experimental, tornou-se uma inovadora na prosa contemporânea”.
Na sua obra publicada em Portugal, navegamos entre o embalo mais romancista, de que resultaram “A Vegetariana” – Man Booker International – e “Atos Humanos”, e a prosa embebida em poesia, seja do autobiográfico e experimental “O Livro Branco” ou deste “Lições de Grego” (D. Quixote, 2024), um híbrido entre o poema longo, o ensaio existencialista e a matéria que habita o romance clássico.
À superfície, trata-se de uma dupla história de perda: um professor de Grego que está a perder a visão e uma aluna que está a perder a voz. Para além das limitações físicas e sensoriais, há uma dor mais profunda que os une: ela perdeu a mãe e a batalha pela custódia do filho; ele ganhou o medo de perder a autonomia, perdido entre duas culturas, línguas e países – Coreia do Sul e Alemanha – diferentes.
A partir deste enredo, Han Kang constrói um pequeno-grande livro, que tanto pode ser escutado como uma peça composta para orquestra ou olhado como um quadro modernista, para o qual terá certamente contribuído a sua dedicação à arte e à música.
Há diálogos sobre forma e beleza, luz e escuridão. Referências que vão de Platão ao Budismo. Passeios entre a realidade física e a ideia de tempo. (Sempre) Borges, cujo epitáfio – “Ele pegou na espada e pousou o metal nu entre eles” – serve para o protagonista nos falar da cortina que se fecha: “Ainda não havia uma espada entre mim e o mundo, pelo que, na altura, isso bastava”. Ou, ainda, poemas belíssimos, num livro com enigmas vários. “Lições de Grego” não nos ensina a falar como Platão, mas leva-nos, por instantes, a olhar demoradamente para a fragilidade do mundo.
“Ela inclina-se para a frente.
Aperta o lápis com mais força.
Baixa ainda mais a cabeça.
As palavras escapam-lhe.
Palavras que perderam os lábios,
palavras que perderam a língua e a raiz dos dentes,
palavras que perderam a garganta e a respiração e permanecem fora de alcance.
Como aparições sem corpo, as suas formas escapam ao toque.”
Sem Comentários