Autor de pouco relevo entre nós, muito provavelmente Arno Schmidt será um gigante num mundo dos menos notáveis e pouco vistosos. Este ano, com excelente paginação e grafismo, a editora Abysmo traz-nos finalmente um vislumbre da obra do autor alemão: “Leviatã/Espelhos Negros” (Abysmo, 2017), uma obra em duas partes e cerca de centena e meia de páginas.
“Leviatã” é um registo passado no tempo da segunda guerra, relatando a sobrevivência em vagões de um comboio assente em carris cobertos de gelo e sem pujança para prosseguir a sua marcha, enfrentando o frio anglo-saxónico e a demência conjunta daqueles que o suportam, cruzada com um sentimento de atracção entre o narrador e uma das passageiras mais destemidas.
“Espelhos Negros” não esconde o fascinio pelo negrume, remetendo para uma prosa em modo convencional, a recordar “Walden – A vida nos bosques” de Henry David Thoreau, mostrando um eremita deslocado de uma sociedade arrasada pela Guerra e refém de um totalitarismo sem escrúpulos, que havia retirado toda a esperança. A descrição da atmosfera sombria roça a perfeição, com diálogos interiores – fruto de uma crescente misantropia – que podem levar o leitor a sentir uma ligeira compaixão pela personagem que faz de narrador e que discorre sobre a desordem trazida pelos confrontos bélicos que, posteriormente, afectarão a sua pessoa.
Um par de histórias, contada a uma só voz, onde é explorado o tema da solidão e da resiliência, aprimorado com as adversidades trazidas pelo isolamento. Um acontecimento editorial.
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