A plasticidade e a riqueza do trabalho de Andrew Sean Greer permite que se comece por apresentá-lo como um escritor galardoado, em 2018, com o Prémio Pulitzer na categoria Ficção, com o livro “Less” (Quetzal, 2019), ao qual se seguiu, cinco anos depois e em género de sequela, “Less Perdeu-se” (Quetzal, 2024). A base de ambos é a personagem de Arthur Less, um americano de meia idade que o próprio autor considera muito parecido consigo – escritor mediano, maduro e homossexual, em busca de sentido para as suas relações amorosas e para a sua posição no mundo. Andrew Sean Greer deixa transparecer nesta produção dupla o prazer de escrever e o poder da subtileza assessorada por um humor e ironia q.b., ainda que sejam tratados assuntos sérios como a homossexualidade, o romantismo, a família e a pátria.
O primeiro livro, “Less” pode ser definido como uma novela cómica sobre o sofrimento de um homem que procura viver sozinho, alimentando-se das memórias de amores, ligações e de projetcos quase todos falhados. “Depois de termos estado de facto apaixonados, não podemos viver com um “serve”; é pior do que vivermos com nós próprios“.
Arthur Less, o protagonista, resolve dar a volta ao mundo, agarrando a oportunidade de não se confrontar com as evidências de uma existência desperdiçada, de relações fracassadas e de uma carreira insossa. Embarca numa fuga mascarada de prémio, aceitando um itinerário louco por Nova Iorque, Cidade do México, Turim, Berlim, Marrocos, Índia e Japão. Uma miscelânia de festivais, comités de atribuição de prémios, universidades, residências literárias e eventos mais ou menos mediáticos, que antes havia rejeitado ou adiado. O humor é permanente e quase sempre simples, como quando Less compara um musical a Brodway a uma queca, considerando que ambos, ainda que maus, cumprem sempre o seu propósito. Como escritor mediano, Arthur Less procura tornar-se protagonista da sua vida, percebendo finalmente que mais que um mau escritor é alguém que tem vivido de forma pouco pacífica com a sua identidade, incapaz de traduzir nos seus livros a beleza do seu mundo. Aos cinquenta anos, Less comemora a sobrevivência a tudo na vida, com tropeções, erros e estatelamentos pelo meio: humilhações, desilusões, desgostos amorosos, oportunidades perdidas, maus pais, maus empregos, mau sexo e más drogas. A incursão pelo mundo acaba por se traduzir em meses de viagem, uma jornada comovente em direcção à empatia.
O segundo livro, “Less Perdeu-se”, começa pela ironia de, após dez anos do reencontro pessoal e amoroso conseguido com a primeira grande viagem, voltar a ser necessário sair da zona de conforto, procurando soluções que sustentem a sua relação com o companheiro e confiram sentido à sua carreira. Volta então a embarcar numa longa e improvável viagem, desta feita no seu próprio país, submergindo na América profunda, na qual sabe-se de antemão pouco confortável, sentindo-se um estrangeiro na sua própria casa. O que poderá esperar um romancista branco e gay, de quem ninguém ouviu falar, numa América rural e profundamente conservadora, ainda muito racista, sexista e homofóbica? Less revelou-se temerário, surpreendendo-se com a sua capacidade de respeitar e entender o que leva as pessoas a pensar o que pensam, abrindo-se aos outros e obtendo destes o mesmo quando o acolheram, vendo-o para além da sua orientação sexual, do seu ar apalhaçado, por vezes ridículo e hesitante. Neste segundo livro, nesta segunda viagem, Less desperta para os seus próprios sentidos até então excessivamente toldados, para a sua curiosidade, os seus medos e a sua memória, tornando-se uma criatura sofredora atrás de um espelho, sentindo-se finalmente como um escritor. É este o momento em que a vida de Less, a vida de Andrew Sean Greer, a vida dos EUA parecem confundir-se, coexistindo numa sucessão de peripécias e de equívocos, deixando ainda assim a evidência segundo a qual a existência é feita de muitos protagonistas e que é preciso saber coexistir.
A escrita de Andrew Sean Greer possui elegância e substância. Temas fortes relacionadas com o amor, relações gay ou a crise de meia idade, que facilmente poderiam resvalar para a trivialidade, são tratados com uma subtileza inteligente. Dois livros que parecem resultar de uma história de amor e de muitas formas de amar, de alguém que se abre aos outros, que procura analisar as bases emocionais das suas convicções e comunicar de forma aberta.
Sem Comentários