Krabat é um jovem de catorze anos, órfão, que entra ao serviço de um moleiro numa azenha perniciosa. Curioso, perspicaz e destemido o rapaz cedo apercebe-se que penetrara num mundo diferente, onde ao conforto, abundância e protecção havia que corresponder com entrega e subjugação total ao poder e à autoridade de um moleiro déspota.
Neste clássico do alemão Otfried Preussler, a acção gira em torno da vida de uma azenha, ao ritmo das estações e dos rituais a elas associados – o quotidiano de trabalho de moagem, as actividades do campo, a vida espiritual e religiosa -, servindo como ganho de informação histórica e etnográfica.
A exigência e a dureza dos trabalhos executados pelos onze experientes ajudantes do moleiro podia ser facilmente aliviada, se cada um deles, superadas as agruras de um primeiro ano de prova, simplesmente fizesse uso da magia que conhecia, aliviando assim o peso das tarefas. À pergunta de Krabat, sobre a razão do esforço se tudo podia ser resolvido por artes mágicas, veio a resposta de Tonda, o companheiro mais velho: “nunca ter de trabalhar não interessa a ninguém, a não ser que, mais cedo ou mais tarde, queiras ver a tua vida numa desgraça”, ficando farto dela.
Ao longo de dois anos, Krabat e os colegas dedicam-se ao trabalho exigente e rotineiro de forma abnegada e humilde, pese embora fossem já portadores de poderes que lhes permitiriam afrontar o mestre. As consequências fatais de tal ousadia são cultivadas através do mistério que envolve o súbito desaparecimento, todos os anos, de um dos jovens, a chegada de um novato e a omnipresença do mestre em ensaios de desobediência que possam fazer.
Religioso e profano cruzam-se. Koraktor, ou o Livro das Treva, pelo qual o mestre moleiro lê aos seus ajudantes as artes mágicas, surge como um Bíblia maldita, fonte de orientação, poder e subjugação.
Por oposição à magia negra, o amor surge presente com o seu poder resgatador – “Há uma magia que tem que ser aprendida com esforço: é a que nos dá o Koraktor, símbolo a símbolo, fórmula a fórmula. E há outra que nasce das profundezas do coração: nasce da preocupação que temos por alguém que amamos”.
Como contraponto à negatividade que emana da azenha e do seu mestre, destaca-se a amizade solidária entre os aprendizes e o amor, sentimento que nasce entre Krabat e Kantorka, a menina que entoa cânticos e o ajudará a libertar-se.
Clássico da literatura alemã, baseado numa lenda popular da Sorábia, região do nordeste da Alemanha, com acção contemporânea com a primeira metade do Século XVIII, trata-se de um conto que incorpora figuras históricas e paisagens da época, já adaptado ao cinema em 2008, por Marco Kreuzpaintner, com o título “Krabat – Aprendiz de Feiticeiro”.
Escrito pelo alemão Otfried Preubler (1923-2013), “Krabat – O Moinho do Feiticeiro” (Sextante Editora, 2018) é desde logo um livro-objecto, apelativo ao olhar, apetecível no manuseamento, muito bem conseguido como conjunto, especialmente se adicionarmos as ilustrações. Pode, por isso, ser mais que um livro recomendável em termos de literatura juvenil, para se transformar numa agradável viagem ao mundo imaginário e reflexivo de um qualquer adulto que se interesse pela mensagem subtil da fábula e do imaginário.
As provas dadas por Otfried Preubler, exímio contador de histórias, com livros traduzidos em mais de 50 línguas e acima de 50 milhões de exemplares vendidos, são mais do que suficientes para lhe atribuirmos crédito por esta batalha entre o Bem e o Mal.
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