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“Istambul, Istambul” | Burhan Sonmez

Por Ana Ilhéu · Em 24/09/2019

“O inferno não é o lugar onde sofremos, é o lugar onde ninguém nos ouve sofrer.”
Mansur Al-Hallaj

Burhan Sonmez é autor de três romances premiados e traduzidos em cerca de trinta línguas. Nasceu na Turquia, foi advogado em Istambul e exilou-se por razões políticas. Hoje vive entre Cambridge e Istambul. Membro do PEN-International, recebeu em 2017 o Prémio da Fundação Vaclav Havel, atribuído a um escritor em risco pela sua coragem.

“Istambul aprendia a verdade através da natureza, mas as mentiras era a cidade que as criava. Ludibriar, fazer jogo duplo e manipular a memória eram invenções suas. Istambul fazia com que todos a venerassem e inventava bêbados convencidos de que encontrariam nos braços os seus antigos amores quando acordassem de manhã. Inventava pobres convencidos de que os ricos tinham conseguido o seu dinheiro por meios honestos. Espalhava a esperança por toda a parte. ”

Em “Istambul, Istambul” (D. Quixote, 2019), Burhan Sonmez serve-se da voz de quatro prisioneiros numa cela subterrânea de um Centro de Interrogatórios de Istambul, sobreviventes de sucessivos interrogatórios e das mais ignóbeis técnicas de tortura. Muito para além do que os distingue, une-os a memória e a perseverança, a resistência para além do físico, ancorada no apego à cidade e à preservação da integridade. Um livro que é uma miríade de palavras a quatro vozes.

Um estudante, um médico, um barbeiro e o tio Kuheylan, um velho revolucionário, mais enigmático e especialmente central nos diálogos que os unem ao longo de dez dias, cada um relatado a uma só voz. Um conjunto de personagens unidas pela forma mais pura de ser humano, a de quem sofre e se supera na luta pela sobrevivência, procurando não perder a dignidade.

A fronteira entre a loucura e a lucidez revela-se ténue. A partir de certa altura passa a ser difícil reconhecerem-se a si próprios, incapazes de compreender a verdadeira dimensão do pesadelo que vivem e a reconhecer o corpo massacrado como seu. O tempo, sem contornos e sem limite, pútrido, passa a ser o pior inimigo continuando na mente o massacre dos torturadores.

Istambul Istambul, Deus Me Livro, D. Quixote, Dom Quixote, Burhan Sonmez“A dor transforma o corpo em escravo, enquanto o medo faz o mesmo à alma, e as pessoas estão dispostas a vender a alma para salvar o corpo.”

A memória como única forma de expressão e de preservação de uma vida que escoa e que se esquece perante a realidade crua e malévola. A imaginação de cenários, relato de estórias e a partilha de memórias sobre Istambul, transformam a cela em realidade, onde é possível sentir cheiros, movimento, cor e emoção. Carregando o mundo dentro de si, as quatro personagens narradores transcendem o espaço e o tempo.

Ao leitor é entregue uma múltipla perspectiva cultural, política, ética e filosófica do que tem sido viver em Istambul e dos limites (ou da sua ausência) para a resistência.

“Até que ponto um cão é um cão, quando as pessoas conseguem mudar tudo o que há na natureza?”

“Os seres humanos são as únicas criaturas que não se contentam em ser eles próprios. Um pássaro é apenas um pássaro, reproduz-se e voa. Uma árvore limita-se a verdejar e a dar fruto. Mas os seres humanos são diferentes, aprenderam a sonhar. Não se conseguem satisfazer com o que existe. ”

Burhan Sonmez produz, com a sua obra, uma reflexão sobre a vida e a natureza humana, a mentira e a dor, a sua essência e significado. Prisioneiros sem motivo e sem perspectiva, cada uma das personagens reflecte a relatividade do tempo e do espaço, ampliando o valor da memória. A partir de determinada altura, a esperança de libertação e de sobrevivência fora da cela é substituída pela esperança de regresso dos que são levados para mais uma sessão de tortura, que regressem inteiros e possam continuar a partilhar as viagens e os sonhos do grupo, a dança, os cheiros, os campos, os amados, e acreditar que a vida é ser feliz onde se pode ver e sentir. A verdadeira derrota residirá na desistência. Apenas o ranger do portão de ferro os lembrava que não estavam onde deviam ou podiam estar.

Com Burhan Sonmez conhecemos uma Istambul diferente dos folhetos e dos roteiros turísticos, terra de pobreza e de luxo onde se tramam aqueles que tiverem sonhos e pretensões de ver mais além.

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Ana Ilhéu

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