“Imaculada” (Clube de Autor, 2017), o primeiro romance de Paula Lobato de Faria, faz um retrato preciso e circunstanciado de uma época social e histórica (ano de 1956), bem como da submissão de identidade de género numa família católica tradicional portuguesa da Beira Baixa no tempo do Estado Novo.
Numa narrativa onde o enredo se adensa à medida que as personagens femininas se vão revelando, perpassa uma subtil ironia no recorte de muitas situações sociais – onde muitos leitores se irão reconhecer -, com um cunho marcadamente político e de defesa da liberdade e dos direitos humanos, ínsitos no carácter de cada personagem feminina (Cristiana, Lourença, Luisinha Ana Maria e Alexandrina, por esta ordem).
Imaculada é o nome da residência beirã da Família Correia, uma casa que é, ela própria, uma personagem, que nos guia numa introdução muito suave a uma trama contada num ritmo sequencial e em crescendo, sem nunca perder o seu fio condutor, próprio de quem sabe contar uma história.
Para além de um raro sentido de época – onde tudo o que de facto acontecia nas famílias da burguesia do tempo da Ditadura de Salazar estão admiravelmente descritas –, a autora não deixa nunca de persistir numa escrita elegante e, porque não dizê-lo, romântica.
Cristiana, filha dos proprietários de Imaculada, é uma jovem linda e consciente da sua falta de liberdade e da obrigatória submissão às regras familiares (“Deus, Pátria e Família”), impostas sobretudo por sua mãe, Alexandrina, temente das convenções, do “parecer bem”, da reputação da filha e da preservação da sua virgindade (que surge no texto e no enredo como a própria metáfora da liberdade). Há uma outra personagem feminina que assume, aliás, esta liberdade de forma consciente, independente e autodeterminada: a marcante Lourença, identidade feminina pouco habitual à época que a autora torna fascinante.
Escrito com absoluto domínio da língua portuguesa, “Imaculada” é um grande romance de época, um retrato muito crítico da condição humana, um testemunho político sobre uma era e um roteiro muito esclarecedor sobre os direitos humanos percepcionados no feminino.
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