Foi, em 2018, um dos livros que mais reconhecimento mereceu por aqui, e que mostrou que a arte de escrever contos continuava em alta na Argentina. Em “O Nervo Ótico”, tal qual uma Panoramix das pampas, María Gainza misturava a boa literatura, o espírito confessional e uma crítica de arte que fazia um manguito ao academismo, tudo para nos brindar com 11 contos incríveis que partiam, quase sempre, de um quadro, ao qual juntava episódios pessoais ou nascidos da observação alheia.
Agora, neste “Hotel Melancólico” (D. Quixote, 2019), estamos mais próximos do território do romance, mas um romance construído com o mesmo poder de deslumbramento e o engenho narrativo de “O Nervo Ótico”, que continua a eleger a arte como o território primordial e o alimento da inspiração.
Fruto da inquietação do seu tio, cansado de a ver a braços com tanta desocupação e falta de ligação ao mundo real, o tio da narradora arranja-lhe um emprego num banco, onde irá trabalhar como avaliadora de obras de arte. Aos poucos, aquilo que poderia parecer um trabalho formal revela-se uma surpresa de todo o tamanho, lançando-a numa rede bem montada de falsificações e deixando-a sedenta das inesperadas histórias saídas da boca da sua chefe, que fará dela uma espécie de herdeira da falsificação.
Uma dessas histórias envolve um Hotel Melancólico, onde viveriam artistas que copiavam quadros para ganhar a vida, e por onde terá também passado a Negra, figura central deste romance, que se especializara em falsificar a obra de Marette Lydis, alguém que se tinha dedicado a fazer retratos da alta-sociedade de Buenos Aires.
Um hotel onde a autora, que diz gozar – e desconfiar – “de um certo prestígio fundado na ilusão de que uma prosa sensível é sinónimo de temperamento honesto e estilo de carácter” e se considera “uma impressionista da velha escola” e “uma pessoa desconfiada” por natureza, se irá registar sob um nome falso, procurando escutar o breve sussurro dos rumores e descobrir o que terá acontecido a esta Negra, a partir de uma pista que diz respeito a um gangue conhecido como o Bando dos Falsificadores Melancólicos.
Uma vez mais María Gainza é mestre em cruzar realidade com ficção, verdade com ilusão, falando-nos da relação da arte com a vida, criticando o lado excessivamente – e quase exclusivo – comercial da primeira, tratando, sobretudo, de fazer da escrita um enigma e da trama um labirinto, no qual o leitor se irá perder de muito boa vontade. Uma leitura com check-in obrigatório.
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