“Há algo de podre no reino da Dinamarca”, dizia Shakespeare na sua obra-prima Hamlet. Lemos “Homicídio Invisível” (Topseller, 2019), da dupla dinamarquesa Lene Kaaberbøl e Agnete Friis, e somos obrigados a concordar.
É o segundo tomo de uma série centrada na enfermeira Nina Borg, espécie de Lisbeth Salander da enfermagem – o primeiro volume chamava-se “A Criança na Mala” – e foi um retumbante sucesso à escala planetária.
A briosa Nina é uma idealista dos sete costados, prestando auxílio clandestino aos migrantes desfavorecidos, que a sociedade prefere pôr à borda do prato. Quem não vai muito à bola com esta costela altruísta é o marido e os filhos, que preferiam que ela se deixasse de enfermagens de risco e se dedicasse mais à família.
Neste livro, a trama começa nas ruínas de um velho hospital militar soviético, no norte da Hungria, onde dois jovens ciganos procuram armas ou equipamentos que possam vender no mercado negro. O que eles encontram nos destroços supera as suas expectativas: um objecto maligno que põe em marcha uma série de acontecimentos mortíferos.
Entretanto, Nina não se apercebe que poderá estar a arriscar a vida e a própria família ao prestar assistência a um grupo de ciganos húngaros a viver numa antiga garagem, acometidos por uma misteriosa doença. Junte-se a esta receita um estudante de direito húngaro com uma origem oculta, um desvairado psicopata finlandês e um pacato “betinho” dos subúrbios com veia de assassino, e temos um livro fascinante.
As autoras vão urdindo a intriga lentamente, sem pressas, guardando a acção para o último terço do livro. Nessa altura fazem uma gestão muito eficaz da tensão – capítulos curtos e com finais em suspenso tornam a leitura compulsiva até à última página.
Há uma corrente subterrânea de temas políticos muito actuais: o medo do estrangeiro, a xenofobia camuflada que se esconde atrás da fachada da normalidade suburbana, as dificuldades de integração dos migrantes numa Europa infectada pelas ideologias de extrema-direita. Ao mesmo tempo, “Homicídio Invisível” não deixa de ser um policial empolgante, onde a originalidade e carisma dos vilões se une à imprevisibilidade do enredo, num cocktail cinemático e electrizante.
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