É muito comum, sobretudo entre os chamados povos do sul como o nosso, dizer que os alemães são taciturnos e pouco dados à celebração, a não se quando dão em ultrapassar o consumo moderado de cerveja. Pois bem, em 1997, quando o outono já se preparava para fazer as malas, o prosador e ensaísta W. G. Sebald escreveu uma tese provocadora, onde defendia que os alemães, mais concretamente a literatura alemã, tinha falhado perante o horror da guerra aérea: “Apesar dos denodados esforços para vencer o passado, quer-me parecer que os alemães são hoje um povo nitidamente cego para a história e falho de tradição“.
Em “História Natural da Destruição” (Quetzal, 2017 – reedição), Sebald defende que, para a maioria dos escritores que permaneceram na Alemanha durante o Terceiro Reich, se tornou mais urgente, depois de 1945, redefinirem a ideia de si próprios, em vez de se dedicarem a analisar as verdadeiras circunstâncias que os rodeavam. Algo que, diz Sebald, foi retocado à posteriori nas biografias de muito bom escritor através de “discretas omissões e outras correcções“, dando como exemplo Alfred Andersch.
O livro nasceu a partir de uma conferência proferida por Sebald em Zurique no ano de 1997, onde Sebald aborda o quase esquecimento dos bombardeamentos aliados, muitos deles fora de tempo, que deixaram cidades alemãs devastadas matando milhares de civis, e que entraram “para os anais da nação em vias de se reconstituir apenas sob a forma de vagas generalizações, sem que pareça te ficado um resto de dor a consciência colectiva, (…) largamente excluída da visão retrospectiva das pessoas atingidas“.
Depois de se perguntar a si próprio por onde começar “essa história natural da destruição“, Sebald desce ao nível do solo para falar do desenraizamento colectivo, da multiplicação das espécies e das criaturas parasitas, do calçado roto como imagem de marca, da letargia como a marca mais saliente da população das grandes cidades desse tempo. Um estado de espírito que poderia ser visto entre uma falta de sensibilidade moral a raiar a desumanidade e um meio de manter saudável o entendimento humano.
Sebald dedica também um texto a Alfred Andersch, que lhe serve de modelo a todos os escritores que falharam a sua missão de registar o terror aéreo que assolou a nação alemã. Para Sebald, Andersch era “um homem que via as coisas de longe“, sendo por isso “inteiramente lógico que tenha adoptado a nacionalidade suíça no princípio dos anos 70, embora não precisasse“. Alguém que tinha “uma vida interior povoada por ambição, egoísmo, ressentimento e rancor“. Uma vida artificial que, para Sebald, nem mesmo a literatura conseguiu esconder: “A obra literária é a capa que envolve tudo isso. Mas o forro, mais fino, mostra tudo“.
W. G. Sebald naseceu em 1944, em Wertach, na Alemanha. Viveu desde 1970 em Norwich, no Reino Unido, onde foi docente de Literatura Alemã. Prosador e ensaísta, é autor de livros que marcaram a literatura contemporânea, tendo sido galardoado com os prémios literários Mörike, Heinrich-Böll, Heinrich-Heine e Joseph-Breitbach. Morreu em Dezembro de 2001. Para além de “História Natural da Destruição”, já foram publicados pela Quetzal os seguintes títulos: “Do Natural”, “Austerlitz”, “Os Emigrantes”, “Os Anéis de Saturno”, “Campo Santo” e “A Descrição da Infelicidade”.
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