“História de uma Família Decente” (Dom Quixote, 2019), romance de estreia da autora italiana Rosa Ventrella, é uma narrativa clássica sobre a infância, a família e os estudos como ferramenta de ascensão social. No início desta história conhecemos a jovem Maria de Santis, de doze anos, “pequenina e morena como uma ameixa madura”.
Na década de 80, Maria cresce num bairro pobre, no lado errado de Bari, apertada pelo garrote das pequenas misérias do seu mundo. Insolente e com mau-feitio – desde cedo a avó lhe planta a alcunha de “Malacarne” – Maria sonha com um dia poder deixar para trás o bairro, mas há laços que nos apertam para sempre, quer queiramos quer não.
A atrevida Malacarne trava amizade com outro inadaptado como ela – Michele -, uma cumplicidade que dará lentamente lugar ao amor. O problema é que Michele tem uma nuvem negra sobre a cabeça: é o filho mais novo do clã Senzasagne, uma família sinistra, ligada ao que de mais podre se pode encontrar nas ruelas.
À roda da protagonista há um naipe de figuras carismáticas: as avós, a vizinha metediça com cara de cavalo, a colega da escola com a mania, os dois irmãos que parecem o avesso um do outro. No entanto, a personagem mais vincada é o pai de Maria. Figura tutelar, um turbilhão de mau-feitio e fúria incontida, o pescador Antonio De Santis parece encontrar paz apenas com a solidão do mar à sua volta. A mãe, doce e resignada máquina de trabalho, quer o melhor para a filha, mas vive sob o jugo implacável do patriarca, aprisionada numa engrenagem sem saída.
A escrita de Rosa Ventrella é amplamente literária e descritiva, cheia de imagens, metáforas e efeitos de linguagem. O enredo é algo convencional mas eficaz – a velha história do amor proibido serve de pretexto para observar as dinâmicas e o contexto de uma certa sociedade patriarcal em vias de extinção.
Centrado na figura de Maria Malacarne, “História de uma Família Decente” é na verdade o retrato de um bairro cheio de colorido, odores e sabores fortes, e das pessoas que lá viveram, entre tradições e superstições, mesquinhez e dignidade, violência e ternura, vida e morte – um mosaico amplo e variado, embalado pelo rumor do oceano ali tão perto.
2 Commentários
Terá algum significado especial a recorrente omissão do nome do tradutor?
Não tem.