A inglesa Alice Oseman diz que, durante grande parte do tempo, dá por si “a olhar sem nexo para o ecrã de um computador, a questionar a falta de sentido da existência ou a fazer de tudo para evitar ter de arranjar um emprego de escritório”. Pois bem, a verdade é que a lanzeira parece estar a fazer-lhe bem, bastando olhar para o primeiro volume de “Heartstopper” (Cultura Editora, 2021) para acreditar que, pelo menos num futuro próximo, um emprego das 9 às 5 não fará parte da equação laboral.
É uma daquelas histórias que os brits costumam designar de coming-of-age, e que, por cá, se foi designando como a idade do armário, e que mergulha na descoberta da identidade, do género e das preferências sentimentais e físicas. Isto numa banda desenhada construída inteiramente a preto e branco, com vinhetas de grande formato onde a expressividade das personagens se vê aumentada, leitura ideal para quem está a viver as agruras e as aventuras da adolescência – e para todos aqueles que a querem desesperadamente compreender.
Charlie Spring (10º ano) e Nicholas Nelson (11º ano) – ou Nick – não teriam, a acreditar nas aparências, grande futuro em comum. Enquanto Charlie prima por um estado mais introspectivo, afastando-se dos holofotes que vão iluminando os corredores liceais, Nick faz parte da equipa de rugby da escola, sendo um tipo verdadeiramente popular – segundo Tao Xu, um amigo de Charlie, é “um avariado do desporto”, que trata toda a gente por “meu” e deverá atirar comida às pessoas no autocarro.
A verdade é que este parece ser um caso de amor à primeira vista, mesmo que as preferências de ambos sejam muito diferentes. Se Charlie acabou de sair de uma relação tóxica com Ben Hope – “um otário” segundo Nick -, Nick nunca parece ter tido razões para questionar a sua preferência por raparigas, algo que irá mudar a partir do momento em que a amizade de ambos começar a expandir-se.
Este foi um livro que começou por nascer entre o Tumblr e o Tapas, e que, segundo a sua autora, terá na palavra “conforto” a mais adequada a quem por ele passa os olhos. Um livro para os tempos de hoje, felizmente mais abertos a destruir as convenções sobre sexo, identidade e género, e que vai ao encontro da ideia de uma sociedade mais tolerante, respeitadora e onde as diferenças, escolhas e preferências não seja motivo de exclusão ou qualquer outra forma de violência.
Para o final estão guardados alguns mimos, como páginas dedicadas aos uniformes escolar e de rugby, uma mixtape do Nick para o Charlie que inclui Best Coast, Ariana Grande ou Moldy Peaches, páginas dos diários de Nick e Charlie, a apresentação de cada uma das personagens de Heartstopper – incluindo género e sexualidade – e uma nota de Alice Osman, onde explica que as personagens desta banda desenhada surgiram pela primeira vez em “Solitaire”, o seu romance de estreia. O segundo e terceiro volumes de Heartstopper estão já disponíveis nas livrarias portuguesas, estando para breve a publicação do quarto volume.
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