Enquanto que, na apinhada Tenda Vila Literária, decorria uma conversa bem-humorada entre Ricardo Araújo Pereira e Pedro Mexia, a Casa Abysmo recebia uma das mais entusiasmantes, independentes, emotivas e inesperadas propostas de programação do primeiro fim-de-semana do Folio: uma audição em conjunto – e comentada – de “Polifonias Singulares Vol. 1”, disco onde os Lavoisier apresentaram, acompanhados pelo mítico produtor José Forte, o canto perdido das Cantadeiras do Campo do Gerês.
O disco – lançado numa edição exclusiva em formato vinil, limitada a 300 cópias – marca o arranque de uma série de discos-ensaio, na qual a banda formada por Roberto Afonso (voz, guitarra e baixo) e Patrícia Relvas (voz, percussões e electrónicas) dá mais um passo de gigante num percurso singular: uma investigação quase detectivesca, onde irão conhecer, registar, partilhar e transformar o património musical português, construindo ao mesmo tempo uma ponte com a actualidade. Do Lado A, as vozes das Cantadeiras, registadas sem qualquer adorno por José Fortes; do Lado B, os mesmos quatro temas – “Segadinhas”, “São João da Ponte”, “Moda das Malhadas” e “Fui Escrever” – transformados pela poção mágica da dupla. Na audição, ouviram-se as duas versões de cada um dos temas, antecedidos ou seguidos de comentários da dupla e de José Fortes.
Foi durante a pandemia, numa residência algures no Gerês, que teve início esta aventura, “um trabalho em comunidade que deu frutos” – segundo a dupla. O ponto de partida foi perceber como a voz conseguia assumir o acto de contar histórias, criando “um magnetismo que mexe facilmente connosco”, e a que recorrentemente chamaram organismo vivo. “Não era uma técnica, era um modo de vida”.
José Fortes, a quem a banda havia mostrado o trabalho há não muitos dias atrás, falou do seu método de produção. “A técnica não se pode ouvir. A única missão é não estragar muito o trabalho dos artistas. Apesar do cuidado de preservação, há sempre uma alteração”. No teste da audição, o veredicto fez-se ouvir : “Gosto. Não é fazer diferente, é fazer de forma inovadora”.
Na criação de uma narrativa própria, à volta de temas com um vincado lado funcional, os Lavoisier disseram-se surpreendidos “pela dimensão da viagem, isto nos anos 1940. Tentámos a espacialidade e a aventura no espaço sideral” – missão superada. Ponham os ouvidos nesta Polifonia.
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Fotos: Luísa Velez.
1 Commentário
Eu estive lá e, realmente foram momentos muitos especiais