Dois dínamos da edição, facilitadoras do trânsito de livros entre os dois lados do Atlântico. Foi mais ou menos assim que Paulo Werneck, director da recomendadíssima revista literária brasileira 451, apresentou as responsáveis por duas editoras independentes que, para lá de um cuidado trabalho de edição, se têm dedicado a levar livros e autores seus a navegar pelo imenso Atlântico.
Do lado de cá está Bárbara Bulhosa, directora e fundadora, em 2005, da Tinta da China, editora que transpira independência e espírito de missão; na outra margem encontramos Simone Paulino, jornalista, escritora e também editora e fundadora, em 2012, da editora Nós, onde se descobre, segundo Werneck, uma “militância em torno da literatura francesa”, não continental mas das ex-colónias e outras geografias.
Em tempos de pandemia e Bolsonarismo, não está fácil para a Tinta da China a “missão” brasileira. O salto para o Brasil, em 2012, em pleno período da troika portuguesa, terá sido uma forma de a própria editora sobreviver, partindo à conquista de um novo mas nem por isso fácil mercado. Porém, desde 2018 que a editora deixou de receber das distribuidoras brasileiras, o que obrigou a colocar o projecto em modo pausa, num país no qual se têm estado a dar bem autores como Dulce Maria Cardoso ou Ricardo Araújo Pereira. Relembrando o absurdo que era traduzir autores brasileiros para as edições portuguesas – “um retrocesso em relação à língua” -, Bárbara considera que a recepção dos autores portugueses no Brasil é maior do que a dos autores brasileiros em Portugal – “em relação à literatura há um respeito diferente” -, e que os livros que tem publicado de autores brasileiros na Tinta mereciam ter vendido mais. “Não desisti dos brasileiros, mas é um acto de resistência”. Algo reflectido, por exemplo, na publicação da Granta em Língua Portuguesa que, não sendo um projecto comercial, cumpre com distinção a missão de aproximar e de dar a conhecer a literatura dos dois países.
Evandro Affonso Ferreira, escritor brasileiro, terá dito a Simone Paulino que o projecto da Nós não iria dar certo. Que, muito provavelmente, iria desistir ao fim de quatro lançamentos. A verdade é que as coisas têm corrido bem para a independente Nós que, de momento, vai em cerca de 80 títulos publicados – o de Affonso Ferreira foi o 46º de “um catálogo que tem tido alguma relevância na cena cultural brasileira“. “O Peso do Pássaro Morto”, livro assinado por Aline Bei, é o bestseller da editora, com mais de 40000 exemplares vendidos. Uma editora que lançou também uma página em Portugal, onde está disponível uma selecção de títulos (podem espreitar aqui). Outra alternativa é visitar a Livraria da Travessa, em Lisboa, onde também é possível descobrir vários títulos da editora – “a melhor livraria” da cidade, de acordo com Bárbara Bulhosa, que falou da importância da formação de uma comunidade brasileira em Portugal, uma comunidade bem informada e que lê, para esta circulação da literatura brasileira em Portugal.
Com um catálogo onde há livros interventivos sobre racismo, história contemporânea ou colonialismo, Bárbara Bulhosa falou de um novo projecto que tem entre mãos, e que dentro de algum tempo conhecerá a luz da edição pela Tinta: um livro sobre Mário Domingues, o anarquista filho de um branco com uma negra que trabalhava nas roças de São Tomé, que denunciou em Portugal – país para o qual veio com 18 meses de idade – a brutalidade colonial portuguesa e que, já em 1920, terá defendido a independência das colónias. Uma edição que, não estando apontada ao estatuto de bestseller por Bárbara Bulhosa, promete ser uma das grandes surpresas do mercado editorial para os próximos tempos.
A descoberta de um clássico está, de momento, a agitar a vida editorial da Nós, que decidiu levar a cabo a tarefa de publicar os Diários Completos de Virginia Woolf, dos quais apenas existia uma edição portuguesa com uma súmula. Um acontecimento editorial e transatlântico em cinco volumes – o primeiro está já publicado -, que conta com tradução de Ana Carolina Mequita e dará um novo fôlego à editora. Bendita independência.
Fotos: Luísa Velez/Deus Me Livro
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FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos 2021
15 Outubro
Conversa: “Pontes de palavras entre Portugal e Brasil”
Com Bárbara Bulhosa (Editora Tinta da China) e Simone Paulino (Editora Nós)
Moderação: Paulo Werneck (Revista Quatro Cinco Um)
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