Fernando Aramburu, escritor multipremiado nascido no País Basco em 1959 e residente na Alemanha desde 1985, deve muita da sua fama internacional ao romance “Pátria”, no qual as tensões políticas e sociais no seu território de origem eram dissecadas de uma forma que captou a atenção da HBO e originou uma série televisiva. O seu romance mais recente, “Filhos da Fábula” (Dom Quixote, 2024), retoma a temática do nacionalismo basco, mas agora o registo dramático dá lugar ao cómico-patético.
Os protagonistas são dois jovens bascos com pouco mais de 20 anos, cujos sonhos subjugam o bom senso. Asier é a personalidade dominante, enquanto Joseba vai acatando as suas decisões. Seis meses depois de terem aderido à ETA, encontram-se alojados em França, na quinta de um casal com défice de higiene, onde só a mulher consegue comunicar com eles, em mau castelhano. Como tardam a ser convocados para um curso de treino de guerrilha, procuram manter-se em boa forma e “adquirir espírito guerreiro” através da actividade física e do tiro ao alvo com armas imaginadas, pronunciando os disparos enquanto seguram uma vassoura à laia de espingarda, ou um martelo à laia de pistola. Como o ridículo não mata, sequestram uma galinha com a intenção de treinarem a execução de um empresário – “um daqueles exploradores da classe operária que não pagam o imposto revolucionário” – e habituarem-se ao sangue, mas vêem-se incapazes de fazer mal ao bicho.
A certa altura, chega a notícia de que a ETA renunciou à luta armada. Apesar de desamparados, sem dinheiro, expostos ao frio e à fome, começam por convencer-se de que se trata de um anúncio estratégico, pois duvidam do abandono do projecto nacional basco. Depois, recusando dar ouvidos a um antigo etarra, decidem fundar uma nova organização, com apenas dois membros, unidos “contra o Estado espanhol e contra as forças de ocupação”. Julgam que fazem História, que iniciam um novo capítulo na luta pela “libertação” dos bascos, destinado a ser registado em livros e estudado nas escolas. Na realidade, o rumo que seguem é pleno de peripécias. Entre discussões, declarações grandiosas e exibições de solidariedade, cometem cada vez mais furtos, mas não se consideram delinquentes. Em vez disso, são “soldados de uma causa nobre”. Afinal, se têm a razão do seu lado e travam uma guerra justa, nada do que fazem pode ser injusto. Mesmo assim, preocupa-os o que o lado inimigo possa escrever acerca das suas aventuras, por isso planeiam a forma como contarão a sua versão dos factos, combinando a omissão das cenas que os próprios percebem ser-lhes desfavoráveis.
Aramburu nem sequer precisa de apontar ao leitor onde está a piada, porque os diálogos e a descrição das situações transmitem tudo o que é preciso, dispensando intervenções mais directas do narrador. Todavia, a par do humor, nota-se uma dimensão trágica na espiral de loucura a dois em que os protagonistas caem, da qual apenas um, aparentemente, conseguirá escapar – um olhar cáustico sobre os extremos a que uma ideologia conduz quando se sobrepõe à racionalidade.
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